Ninguém esperaria um livro como este vindo de um romancista como o japonês Junichiro Tanizaki. Em Louvor das Sombras é, no fundo, uma provocação elegante desse consagrado escritor, publicado pela primeira vez em 1933. Nesta obra, Tanizaki revela ao leitor seu talento em expressar seu fascínio pela sombra e escuridão, elementos centrais na estética tradicional japonesa. Eu me deixei levar deliciosamente o seguindo como se em suas mãos houvesse um pincel da prática do shodô, a arte da caligrafia japonesa. Ele me conduziu suavemente de um ponto a outro, revelando me o trivial de uma casa japonesa sob uma nova perspectiva estética. Vagamos juntos sem roteiro ou simetria. Um delicioso vai e vem. O banheiro foi o que mais me fez contemplar. Sua concepção desse espaço vital pareceu-me, além de bela, absolutamente natural. Pus-me a pensar em como, em nossas casas, tendemos a esconder o banheiro. Aqui, parece ser um código de etiqueta mantê-lo sempre fechado, ocultando o que ali se faz. Na minha casa, sigo os visitantes para reabrir a porta do banheiro que, educadamente, fecharam. Eu gosto de deixar o banheiro expor sua beleza.
Esse livro foi um daqueles presentes que demoram tanto a chegar que a gente começa a duvidar se chegará um dia. Gabriela, uma querida amiga de Washington, me mandou essa pérola clássica japonesa, que finalmente chegou com atraso de alguns meses.
O argumento de Tanizaki em favor de ambientes com menos luzes e brilhos em nossas casas, e com muito mais contrastes de escuros e sombras é que, assim, se ressalta e dá relevo aos elementos essenciais da casa. O jogo de sombra, escuridão e uma fonte luz indireta restaura a elegância das formas e convida à contemplação. Para entendê-lo mais a fundo, nada melhor do que eu te contar como e porque para Tanizaki, o banheiro é o ápice poético da casa. Eu começaria por suas próprias palavras:
“Toda vez que me conduzem a um banheiro antigo, mal iluminado e, eu adicionaria, impecavelmente limpo em um templo de Nara ou Quioto, fico impressionado com as singularidades da arquitetura japonesa. A sala pode ter seus encantos, mas o banheiro japonês é verdadeiramente um lugar de repouso espiritual.”
A ideia do banheiro como lugar de repouso espiritual é ousada e nos coloca a refletir sobre o assunto. Parece banal, mas não é. Sua reflexão se assentou em mim como algo muito natural, pois nada mais divino do que o lugar que nos abriga em silêncio e privacidade, de modo a permitir que a gente possa simplesmente esvaziar, reciclar.
Nas casas japonesas tradicionais, pelo menos da época de Tanizaki, o banheiro sempre ficava separado da parte central, no final de um corredor, em meio a vegetação perfumada de folhas e musgo. Segundo ele, “nenhuma palavra consegue descrever a sensação de estar sentado na penumbra, banhado pela suave luminosidade refletida no shoji, perdido em pensamento ou contemplando o jardim”. Isso é, em si, um deleite fisiológico, como diz outro romancista japonês, o Natsume Soseki.
Em algum ponto de sua obra, Tanizaki descreve o banheiro como espaço sagrado de meditação:
“Como disse, há alguns pre-requisitos: um grau de penumbra, limpeza absoluta e um silêncio tão completo que se pode ouvir o zumbido de um mosquito. Adoro ficar de tal maneira em um banheiro ao som da chuva caindo suavemente, especialmente se for um banheiro com janelas longas e estreitas no nível do chão; lá, pode-se ouvir com um senso de intimidade as gotas de chuva caindo das beiradas e das árvores, penetrando na terra enquanto lavam a base de pedra de uma lanterna e refrescam o musgo ao redor da passagem.”
A tese estética de Tanizaki, para mim, é perfeita e faz todo sentido. Se pensarmos que para nós o banheiro é um dos lugares mais insalubres da casa, e que em nossa cultura tudo que está associado ao banheiro nos remete a impurezas, a arquitetura japonesa surge para transformá-lo em lugar de elegância insuperável, repleto de associações afetivas com as belezas da natureza.
Você não concorda comigo que, se o banheiro nos abraça com tamanha serenidade e beleza, nosso deleite fisiológico é até mais significativo?
Meu livro está em inglês, mas ele foi publicado em português pela editora Penguin Companhia. Aproveite!
Até a próxima.