As emoções não são inimigas da razão, elas são inseparáveis! Um grande número de pesquisas em neurociência e psicologia tem demonstrado que as emoções são, de fato, uma parte essencial da razão. As emoções tem uma função descritiva importante, nossa mente e cérebro se organizam muito bem para entender as coisas a partir de como as sentimos. Mas, existe também a capacidade humana de inferência racional, que usa as informações fornecidas pelas emoções para rastrear coisas que nos preocupam e verificar se a representação emocional delas é razoável ou não. Na filosofia moderna, a razão é a fonte objetiva de conhecimento que permite a compreensão da realidade, o que ajudou a romper com o pensamento medieval que subordinava a razão à fé. Talvez por isso criou-se uma separação entre razão e emoção, com valorização do pensamento racional sobre o emocional na tomada de decisão. Há também pessoas que desprezam a razão por entendê la fria e calculista, e por isso valorizam apenas o que as emoções lhes informam. Esses dois modos de ver a si e a realidade tem um impacto sobre nossa saúde e a longevidade de nossa existência. Vamos ver como?
Podemos dizer que as emoções são recursos cognitivos essenciais para compreendermos o meio, e isso subverte um tanto a centralidade da razão, eu sei. Veja, a cognição está associada ao processo de aprender e formar o conhecimento, e por aí o ser humano se torna capaz de desenvolver-se intelectual e emocionalmente, expressar-se pela linguagem, formar pensamentos, criar memórias, raciocinar, compreender e perceber.
As emoções, na sua função descritiva, não se opõem a esse processo, pelo contrário, elas nos informam ainda mais sobre o estado das coisas no mundo. Quanto mais somos capazes de sentir as coisas, tanto as que dos dão prazer quanto as que nos ameaçam, mais as emoções se tornam a
primeira via de acesso para compreendermos o que existe ao nosso redor. A percepção é influenciada pelo impacto emocional que as coisas têm sobre nós, e que, por sua vez, está diretamente ligado à nossa memória de dor e trauma.
Neste sentido, de tudo que percebemos e sentimos, temos uma tendência natural de identificar as coisas que podem nos causar problemas e, por isso mesmo, priorizar aquelas que nos oferecem conforto e segurança de imediato. Isso é normal, somos todos assim, a prioridade número um para nós humanos ainda é a sobrevivência, e por isso precisamos principalmente de sentir conforto e segurança, e afastar qualquer situação que nos tire o prazer.
Mas, a coisa pode evoluir. Na medida em que permitimos nossa imperfeição e vulnerabilidade, algo se destrava em nós. Acontece um crescente amadurecimento emocional que nos liberta da algema da felicidade. Um espaço se abre para que a gente se lance no território supostamente hostil do desconhecido, motivados pela simples curiosidade de experimentar algo novo. A racionalidade neste momento auxilia bem já que ela pode oferecer estratégias para lidar com o desconforto dessa aventura. Uma coisa surpreendente é que, mesmo neste espaço da razão, são as emoções que ainda nos motivam a permanecer na travessia para o novo. O território é sempre desafiador. A razão nos oferece mapas cognitivos e de valores que são úteis na jornada, mas só o caminhar mesmo, sempre imprevisível, que enriquece estética, social e emocionalmente nossa vida.
Por mais que se saiba que a emoção e a razão são partes constitutivas do sistema existencial humano, e que por isso estamos do ponto de vista biológico preparados para fluir, muito mais pessoas vivem suas vidas limitadas por emoções que as impedem de se aventurar. Claro, isso tem consequências bem estudadas no sistema mente-corpo.
Quando uma emoção é interpretada pelo sistema límbico como uma ameaça, os marcadores somáticos desta estação neuro-psíquica automatizam o processo de tomada de decisão usando a memória do passado, nos poupando o tempo e a energia. Esse sistema é fantástico para momentos em que corremos risco real! Por outro lado, ele é um cárcere de muros intransponíveis quando o risco que sentimos é fruto de uma crença infantil e neurótica de satisfação emocional imediata. Como mudar isso?
Precisamos permitir que a informação gerada pela amígdala (sistema límbico) siga para a parte ventromedial do córtex pré-frontal. Não assusta não, essa estrutra cortical é a parte mais nova do nosso cérebro, aquela cheia de sulcos e giros. Nosso cérebro está aparelhado para receber essa informação e sabe muito bem o que fazer com ela. Tudo que precisamos fazer é aprendermos a usar esse mecanismo. Mas, como? Bem, comece prestando atenção à emoção gerada pelo cérebro emocional e não a negue e nem reaja imediatamente. Quando fazemos isso, tomamos consciência da emoção e da situação, e o simples fato de tomar consciência de algo já significa que estamos estimulando o raciocínio e o planejamento, qualidades exclusivas desta região cortical do cérebro racional!
Deste modo, um comportamento insconsciente e reativo com base em memórias de dor que surgiu de uma situação que suscitou emoções difíceis pode ser alterado na medida em que usamos nossa atenção. Quando colocamos nossa atenção na emoção em si, teremos a chance de usar mapas cognitivos para planejar uma estratégia, e isso altera a maneira que nos comportamos: mais interativo e menos reativo, mais consciente e menos impulsivo. O córtex pré-frontal nos oferece recursos
neuroquímicos para conter impulsos e distorções do nosso cérebro emocional, e nos dá a chance de novas escolhas.
Uma pessoa que constantemente se recolhe num território conhecido para se sentir segura e satisfeita está sujeita a adoecimento não só emocional mas do corpo inteiro. O modo de sobrevivência é uma condição biológica em que o sistema vital se altera para preservar energia e garantir a sobrevivência. Por isso a imunidade, o crescimento, a capacidade de abstração, de planejamento, e também a capacidade mental de projeção, de sonhar, são desligados. Sim, esses fusíveis são desligados. A única chave que permanece ligada é a da sobrevivência.
Com o tempo, o sistema mente-corpo das pessoas que vivem no modo de sobrevivência começa a dar sinais de decaimento. O estado de tensão permanente gera danos musculares e posturais; há déficit cognitivo porque não há exposição ao novo; há muito sofrimento mental porque as decisões tendem a perpetuar escolhas ruins já que nada e ninguém neste mundo pode satisfazer e assegurar uma pessoa continuamente, relacionar é conflitar; Abuso de substâncias, que se tornam válvulas de escape para a tensão e a frustração; Muito estresse tóxico é gerado diante das crises nos relacionamentos e, por fim, o esgotamento geral.
Normalmente, a dor nos leva a mudar. Já não aguentamos mais tanto sofrimento, e assim começamos um processo de alterar tudo isso. Entramos no modo de crescimento no qual tudo em nós se ascende, e o sistema vital se mobiliza para apoiar nossa travessia no desconhecido. Em vez de gratificação instantânea agora queremos ir além. Isso quer dizer que a consciência de nós mesmos aumenta; a curiosidade gera mais emoções que dão sentido e ajudam a superar o desconforto que surge pelo novo caminho; aumenta também a clareza mental e adquirimos uma visão radial; Pode haver estresse, e eventualmente, até mesmo o estresse tóxico, mas logo restauramos o equilíbrio e descobrimos muito prazer e conforto nas pausas para o descanso e regeneração.
Enquanto o modo de sobrevivência nos obriga a cenários conhecidos com pessoas conhecidas que supostamente nos oferecem satisfação, o peso da realidade vai mostrando que o tão buscado prazer tem prazo, e depois que ele vence, o que fica é muita frustração e empobrecimento. Reconhecer esta dor é difícil, e por isso mesmo tentamos inúmeras vezes sair dela substituindo um conhecido por outro. Mais cedo ou mais tarde vamos encarar de frente o fato de que essa busca nos deixa menor, mais doente e mais dependente, e pior, muito mais distante de quem poderíamos realmente ser.
O modo de crescimento não vende gato por lebre. Já se sabe de cara que o desconhecido não pode jamais ser conhecido, há sempre um risco nele. A única coisa conhecida é nossa relação com o desconhecido. Abrir mão da satisfação imediata para ter uma experiencia no fluxo que a vida oferece, abre para cenários inéditos, pessoas inéditas, até mesmo dores inéditas. Tudo é rico. No território que exploramos sem apego ao que deixamos pra trás, tudo pode nos atualizar, nos mobilizar e transformar. A novidade é uma química da saúde, não da felicidade. Entender que o desafio numa relação ou numa situação pode ser tudo que a gente precisa para fortalecer nosso desejo, nosso potencial e ir mais longe na vida é o que ao final nos dará satisfação e confiança.
Vale a pena poder contar a história de uma vida assim.