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Com a palavra a ciência

Estresse, benção e maldição

“O estresse faz parte da vida humana desde tempos imemoriais e é fundamental como  mecanismo de sobrevivência. É causado por reações automáticas da nossa fisiologia que  visam adaptação a mudanças, quer sejam elas negativas ou positivas. Assim como ser  assaltado gera uma reação de estresse no organismo, ganhar na loteria também o faz. Isso  porque, qualquer situação nova ou inesperada, trás consigo uma carga de mudança e novas  demandas adaptativas” assim escreveu meu amigo, médico especialista em medicina do  esporte e fisiatria do Hospital Einstein, Dr. Mário Sérgio Vieira. Neste artigo gostaria de me  aprofundar neste paradoxo e te apresentar como o estresse pode de um lado mobilizar  forças para nosso crescimento e por outro, sem dúvida alguma, nos destruir. 

 

A RESPOSTA AO ESTRESSE  

Qualquer ameaça, seja ela real ou imaginada, desencadeia uma série de descargas  emocionais e fisiológicas de defesa, cunhada pela ciência de resposta do estresse. A  famosa reação “luta-fuga-desmaio” é conhecida por criar condições neuro-hormonais e  bioquímicas que colocam a pessoa potencialmente pronta para lutar, fugir ou fingir de morta,  tudo com um único objetivo: sobreviver!  

Nossa sobrevivência depende diretamente da nossa capacidade de criar condições físicas e  emocionais para enfrentarmos os desafios que se apresentam, e, não menos importante, 

criar condições de relaxar depois que a turbulência passar. Isso é essencial para permitir que  o sistema corpo-mente se regenere. Esse mecanismo de defesa, cuja eficiência a médio  prazo depende do estado de tensão e alerta, e do estado de relaxamento, favorece a  adaptação biológica e psíquica, cria robustez, inteligência e virtudes para serem usadas em  outras ocasiões.  

A resposta de alerta que nos coloca em estresse está muito bem programada no nosso  sistema biológico, já que foi herdada de nossos ancestrais que viviam em selvas correndo  toda sorte de riscos. Não precisamos pensar em nada, quando a questão é nossa  sobrevivência e respondemos de imediato acionando o sistema adrenérgico (sistema  nervoso simpático) de defesa. Não é bem assim com a resposta de relaxamento,  lamentavelmente. Esse mecanismo tão importante de reparo pós estresse ainda não é  automático em nós. Para alcançar essa fase, na qual o sistema nervoso parassimpático é o  principal ator, temos que nos esforçar. 

Não vivemos em selvas, muito embora as ameaças não sejam menos perigosas do que  naquela época. Os desafios de hoje que ameaçam nossa integridade física, mental e  espiritual são inúmeros, concomitantes e complexos. Isso faz muita diferença. Distinto do  que era no passado na selva, que ao enfrentar um animal voltávamos para um refúgio e  tínhamos tempo para nos restaurar, hoje esse tempo não existe. Ele precisa ser criado! 

O estímulo estressor pode ser apenas uma eventual situação de grande proporção, como  uma morte de alguém que amamos, uma separação, um adoecimento, ou pequenas  situações que se repetem na nossa linha do tempo. De todo modo, a piora da saúde da  população não deixa pedra sobre pedra: estamos expostos a uma imensa carga estressora  que nos assola pela instantaneidade das noticias, além do contexto adverso que nos  envolve, que vai desde a violência política e social à poluição; da carga excessiva de  trabalho, trabalho mal remunerado à discriminação; da frustração, desesperança, demandas  familiares ao empobrecimento. 

Quando a resposta do estresse se torna permanente porque o desafio se tornou crônico,  ficamos realmente numa situação vulnerável, e boa parte da chance de adaptação e  sobrevivência se perde.  

Nosso corpo não tem a arquitetura de defessa preparada para o estresse crônico. Muito  pelo contrário. Quando vivemos tal situação, o corpo perde sua lógica de defesa. Os efeitos  ficam evidentes primeiro no plano emocional e psíquico. Nos tornamos ansiosos,  depressivos, mal humorados, raivosos ou reclusos. Depois, o sono se compromete e  começamos a ganhar peso, a ter dores pelo corpo, e nosso sistema digestivo entra em  crise. Nossa imunidade diminui. O cérebro se altera, perdemos memória, capacidade de abstração e cognição, e como consequência disso tudo, a fadiga se instala. Esse quadro  leva a consequências graves na saúde do corpo e da mente. 

 

A BENÇÃO E A MALDIÇÃO DO ESTRESSE NUMA CURVA 

Esta figura mostra a intensidade do fator agressor e nossa resposta numa determinada linha  do tempo. Na medida em que o evento nos testa, diferentes respostas do estresse se  estabelecem. 

Para entendermos a fase verde, imagine um evento estressante para o qual você se  preparou muito bem, e ao enfrentá-lo todo seu sistema nervoso estava atento, percebendo o  meio e você, e fluindo no processo. Após o fim do episódio, o estado de tensão criado foi  logo cedendo e você pode descansar e se sentir muito bem. O desafio serviu para te atiçar,  animar, e certamente que você já espera o próximo! A zona verde de estresse bom está  disponível em toda situação desde que a gente tenha suporte da nossa capacidade técnica  e cognitiva. Este estado é chamado de fluxo, uma condição neuro-psiquica-emocional que  permite agirmos com precisão e maestria, com visão radial e inteligência, em detrimento até  mesmo de pensar sobre a situação. Fluímos nela, é isso. Na fase amarela, a situação  desafiou um pouco mais nossa capacidade de enfrentamento. Entramos numa zona de  perigo e precisamos convocar todos os recursos para nos ajudar. Aqui há um estresse  moderado, que pode até ser revigorante a depender do tempo que nos expomos a ele. Há  um desgaste real do corpo e da mente, mas nada que a fase de relaxamento não restaure. 

Há muito aprendizado e dor também, sem dúvida. Na fase vermelha, o estímulo estressor  superou nossa capacidade de defesa, e assim entramos na zona de estresse tóxico. O  corpo entra em colapso e desorientação, com consequências muito ruins para a saúde  mental e física.  

O estresse crônico está presente na nossa vida, não dá pra evitar essa fase estando pleno  na vida. Agora, é muito importante saber reconhecê-lo, pedir ajuda e sair desta toxicidade o  quanto antes. Quanto mais rápido sairmos desta zona de desintegração, mais rápida será  nossa recuperação e menor será o dano. O estresse crônico não ensina nada além de como  é a fragmentação do nosso corpo e mente, e como é duro nos perdermos pelo caminho.  Ninguém merece isso!

 

A FILARMÔNICA DO ESTRESSE  

Sim, não é uma orquestra de câmara. A resposta ao estresse é complexa e envolve  incontáveis mecanismos biológicos e emocionais. Ela é uma filarmônica. Tudo regido pela  mente e o sistema nervoso com seus outros músicos e seus instrumentos, fazendo desta  sinfonia uma das mais lindas, de variadas combinações, que se possa imaginar. Bela mas  também mortal. 

A mente tem um papel crucial nos eventos estressantes. Para algumas pessoas, um evento  que parece fatal, quero dizer com poder de destruir tudo, para outras não passa de uma  chance de se superar e testar virtudes. A mente interpreta a situação e dá a ela um peso. A  visão do problema pode vir acompanhada de estratégias de enfrentamento e projeções de  cenários futuro positivos, e neste caso, claramente, a pessoa não se coloca menor que o  problema a ser enfrentado e se sairá muito bem na situação. Contudo, há também quem  veja o problema de uma maneira hiperdimensionada, sem vislumbrar recursos de  enfrentamento, e sem enxergar no horizonte cenários esperançosos. Esta pessoa coloca-se  claramente menor, em desvantagem em relação ao problema, e as consequências serão  grandes e ruins. 

 

Vamos aos detalhes:  

A mente percebe e sente o problema gerando emoções. Essas emoções serão  transportadas em moléculas bioquímicas, via plasma sanguíneo, pelo sistema nervoso  autônomo, sistema nervoso simpático, até o cérebro. Essa informação chega  especificamente àquelas partes arquitetadas para interpretar essas emoções e tomar  medidas imediatas. Onde fica isso? Fica bem no centro do cérebro, abaixo do córtex, região  conhecida por sistema límbico, ou cérebro emocional. Ele é formado por um conjunto de  estruturas responsável por todas as respostas emocionais, comportamentais e de memória  em nós. Lá temos também uma pequena estrutura bilateral, do tamanho de uma amêndoa,  que se chama amígdala, local de registro do nosso repertório de dor e trauma. Há também 

o hipocampo que desempenha dentre outros papeis, a regulação de emoções, motivação,  atividade hormonal e formação de novas memórias. Quando então a informação de  potencial risco chega ao sistema límbico, as amígdalas, o hipocampo, a hipófise e outras  estruturas avaliam o evento e dão início à defesa, potencializada pela memória de dor e  trauma. A hipófise envia mensageiros químicos diretamente às supra-renais, lá em baixo  perto dos rins, solicitando que se libere adrenalina e cortisol, que é um poderoso  antiinflamatório, para que se tenha início a defesa. Esses hormônios entram na corrente  sanguínea e no sistema imunológico, e logo vários outros instrumentos se juntam à  orquestra. O fígado libera açúcar no sangue para nutrir o cérebro, que só se alimenta de  glicose, e para os músculos, mantendo assim o estado de alerta e vigor pra dá no pé ou  enfrentar a situação! Na mesma sequência, o coração acelera muito porque há necessidade  de força, o pulmão aumenta a frequência respiratória, os brônquios dilatam porque nesse  momento não dá pra ficar de bobeira mesmo. A coisa continua.. o sangue é retirado da  periferia do corpo e jogado para as vísceras. Quanta sabedoria! Se ficasse sangue  espalhado na periferia do corpo, na ocorrência de qualquer machucado poderíamos sangrar  até a morte, né? A boca seca, o olho mira o problema com suas pupilas dilatadas. Nada  de ficar com aquele olhar lânguido em busca de ajuda, o problema tá logo na sua frente,  então enfrenta! Ficamos focados, atentos, alerta, arrepiados e prontos.  

Problema enfrenado, tudo se serena. O sistema nervoso parassimpático é o mega  suporte de relaxamento pós evento estressor. Ele entra com seus instrumentos mágicos que  acalmam tudo para nos desligar.  

Quando estamos preparados para o desafio, entramos no estado de fluxo para enfrentá-lo e  nos saímos muito bem. Pode ser também que o desafio nos dê um pouco mais de trabalho,  mas ainda assim saímos vitoriosos. Muito embora neste ultimo caso possa haver o  sentimento de exaustão, ansiedade e mesmo burnout, com o devido relaxamento tudo se  restaura. A primeira situação é chamada da fase do conforto do estresse, tudo flui. A  segunda é a fase do alarme, dá trabalho mas se resolve bem. Elas são bem importantes na  adaptação biológica, psíquica e emocional (coping em inglês) do estresse. A gente sai  sempre ganhando a despeito do tamanho do problema, e é só uma questão de tempo! 

Se o problema persiste e se torna crônico, ai temos uma situação bem diferente, que é  bastante tóxica. A orquestração de defesa se torna contínua, sem trégua, e isso tem um  custo. O engajamento persistente na resposta do estresse provoca um enorme desgaste  biológico e mental. Esse estresse tóxico é oxidativo, envelhece precocemente nossas células  e empurra a mente para um estado de ansiedade, com sentimentos de insanidade até o burnout.

 

ESTRESSE TÓXICO  

Uma série de fatores e hábitos da pessoa podem selar essa situação com notas bem  perigosas e que, se deixada em seu próprio curso, tira a vida. O estilo de vida aqui ganha  destaque. Uma alimentação de má qualidade, a falta de movimento do corpo, o uso de  substâncias tóxicas para aliviar o estresse, como o álcool e o fumo, o sono não reparador, a  ausência de um sistema de suporte e a falta de perspectiva podem agravar e acelerar a  desintegração do corpo e da mente.  

O estresse tóxico oxidativo envelhece o sistema biológico, e enfraquece a mente. O sistema  nervoso central e seus neurônios são diretamente afetados, dando início a atrofia neural e as  demências, sendo a mais conhecida delas o Alzheimer. O sistema cardiovascular se  compromete com aumento do risco para aterosclerose e AVC. Aumenta a inflamação dos  tecidos com a presença contínua de cortisol e catecolaminas; há também o enfraquecimento  do sistema imunológico. Surgem a diabetes e as úlceras gástricas. A depressão e a  ansiedade dão sinais de vida, e finalmente o sistema entra em tamanha desordem que os  cânceres aparecem. 

 

O QUE FAZER PARA EVITAR O ESTRESSE OXIDATIVO  

Em primeiro lugar, buscar ajuda de profissionais competentes! Não brincar com esse tipo de  situação, tanto física quanto psíquica. Depois que um profissional tenha ajudado a criar um  mínimo de equilíbrio, é hora de revisitar o estilo de vida. 

Preparar o corpo e a mente para os desafios cotidianos não é algo aleatório. Existe um  corpo grande de evidências científicas de como a atividade física, a alimentação, o  relaxamento, o controle de ingestão de tóxicos, e um bom grupo social de apoio, todos  pilares da medicina do estilo de vida, podem fazer toda a diferença na promoção da saúde,  reversão de danos e para termos uma vida mais longa e de qualidade.  

Ninguém muda assim num estalar de dedos. Toda mudança precisa ser autorizada pela  mente, e para isso, as crenças precisam ser revistas. O papel da mente é fundamental nesse  processo, e é por isso que vamos falar disso no próximo artigo. 

Até lá!

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