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Com a palavra a ciência

Epigenética e a Medicina do Estilo de Vida

Afinal, nós somos determinados pela nossa herança genética ou não?

Essa pergunta instigante está no cerne das revelações científicas da epigenética. O genoma humano contem a planta básica genética com todas as características físicas, emocionais e padrões de doenças, e até pouco tempo acreditava-se que essas informações seriam necessariamente transcritas e inscritas nas futuras gerações.

Entretanto, a epigenética prova que o estilo de vida, nossa percepção e o ambiente social no qual estamos inseridos alteram o funcionamento de nossos genes e da influência deles para as futuras gerações.

Os genes são importantes para nossa saúde e vida, porque carregam informações herdadas que podem expressar doenças e adoecimentos dentre outras coisas. Mas, tão importante para nossa saúde quanto os genes, estão nosso estilo de vida (hábitos de vida) e o meio ambiente ao qual estamos expostos.

A epigenética é o estudo de como os elementos do nosso comportamento e do ambiente que estamos inseridos se associam para causar mudanças que afetam a maneira que os nossos genes funcionam e se expressam.

 

Como funciona a epigenética?

 

Existem 3 processos importantes:

Metilação do DNA: é a adição de um grupo químico (metil) ao DNA que bloqueará o RNA que fará a leitura do gene, impedindo assim que essa planta básica seja copiada e replicada.

Modificação da histona: é a proteção do DNA, o seu invólucro proteico que, quando o cobre completamente, impede a leitura do gene. Esse processo é conhecido como “desativar o gene”. Isso quer dizer que aquela mensagem genética não será replicada em novas células. Quando as histonas não cobrem completamente o DNA, parte dele é exposto permitindo que seja lida. Nesta caso dizemos que um gene foi “ativado” e sua mensagem será reproduzida em células futuras.

RNA Não Codificante: o DNA tem instruções para fazer RNA Codificador e RNA Não Codificante. O RNA Codificador é responsável por ler e copiar a planta básica contida nos genes para, em seguida, coordenar a produção de proteínas novas no corpo. Essas proteínas farão reparos de tecidos, cura, e qualquer outra função do corpo humano. No caso dos RNA Não Codificante, essa planta básica não será lida e consequentemente nenhuma informação será carregada para as futuras células. Por isso se diz que o RNA Não Codificante ajuda a controlar a expressão de genes. 

 A epigenética não é estática. O processo de metilação do DNA está muito mais ativo ao nascermos do que aos 100 anos de idade. Entretanto, algo espetacular pode afetar a qualidade de proteção da expressão de determinados genes que contem informações para certas doenças, ou genes que foram alterados negativamente pelo estilo de vida ou ambiente. Um estudo em 2018* mostra claramente que fumar pode causar mudanças 

Após parar de fumar, ex-fumantes podem começar a aumentar a metilação deste gene novamente. Eventualmente, eles podem chegar aos níveis semelhantes aos dos não- fumantes. (* McCartney D, Stevenson A, Hillary R, et al., Epigenetic signatures of starting and stopping smoking EBioMedicine 2018; 37:214-220)

Outro estudo** feito com mães holandesas grávidas que passaram fome durante o inverno na segunda guerra mundial demonstra que suas crianças ficaram mais propensas à doenças cardíacas, esquizofrenia e diabetes tipo 2. Sessenta anos após a privação alimentar, essas pessoas foram analisadas e constatou-se que elas tinham metilação aumentada em alguns genes e diminuídas em outros, e essa diferença poderia explicar o aumento do risco para essas doenças. (**disease: effects of prenatal undernutrition in humans. J Endocrinol 2019. 242:T135-T144)

 

Qual a grande novidade da epigenética?

 

A genética é estudada nos cursos de biologia ainda hoje no ensino fundamental e médio com base na visão clássica do chamado “Dogma Central”. O dogma central da biologia afirma que nossa origem e nosso destino estão programados pelo nosso DNA. Ou seja, somos o que herdamos!

DNA —> RNA Mensageiro —> Proteína

Claro que muitas das características herdadas dos nossos pais, que são responsáveis pela nossa aparência física, emocional e de saúde têm origem na herança genética contida no DNA. Contudo, os cientistas começaram a questionar esse determinismo diante de várias situações sem respostas na genética convencional, a exemplo dos gêmeos idênticos (univitelinos) que desenvolvem comportamentos e doenças diferentes. O que estaria por trás dessa lacuna não explicada pelo determinismo do dogma central?

Descobriu-se que os processos do uso do material genético para criar novas células estão totalmente vinculados ao meio e ao comportamento. Esses processos sofrem influências de fatores externos tais como, estresse, poluição, temperatura, fome, sedentarismo, consciência de si, etc. Nosso organismo vai sempre tentar se adequar e ajustar ao meio, reorganizando suas células, suas defesas no sentido de ganhar proteção. Mas, caso o meio e o estilo de vida sejam adversos o suficiente, a proteção natural da epigenética caí ou fica prejudicada, e os genes que não deveriam ser ativados e outros que deveriam ser ativados sofrem dramaticamente uma desorganização.

Portanto, a epigenética acrescenta elementos fundamentais ao Dogma Central da Biologia: além dos genes, o meio, a percepção do meio e o que fazemos com essa percepção e nosso estilo de vida. Desta maneira o dogma central foi reescrito pela epigenética assim:

Meio—> Percepção (complexo regulatório humano)—> DNA—> RNA Mensageiro—> Proteína

Para finalizar, outra grande descoberta é que marcações epigenéticas são passadas para as futuras gerações. Sim, isso seria impossível de pensar apenas com os conceitos da genética.

Por exemplo, se uma pessoa sofreu um trauma e com isto adquiriu um adoecimento, seus descendentes poderão ser naturalmente estressados por causa da experiência do trauma. Não só nossa herança genética não define quem somos, quanto o que somos decorrente do nosso estilo e experiencia de vida pode ser transmitido às gerações futuras.

Podemos concluir que o controle da vida está intimamente ligado à nossa percepção sobre nós mesmos e o meio, ao nosso estilo de vida saudável que possibilitam alterar a leitura dos nossos genes e mudamos de comportamento. Isso combinado nos levará a reescrever nossa herança genética e nosso legado às gerações futuras.

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