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Com a palavra a ciência

Entre a solidão e a conexão social

O impacto biológico do isolamento social atinge vários processos internos, e inclusive um dos mais  básicos que é a atividade de nossos genes. Mesmo diante dessa realidade, a solidão não é de todo  tão mal, já que oferece amplo espaço para reflexão e apreciação de nossa própria companhia.  Edward Gibbon exprime a beleza do estar só assim: “a conversa enriquece o entendimento, mas a  solidão é a escola da genialidade”. A importância da conexão social é entendida de forma diferente  por diversas culturas, desde aquelas em que o estar só é visto como sinal de fracasso social ou  bizarrice, até outras que se orgulham da independência completa do indivíduo do seu meio para a  realização de um destino pessoal. Entre o apego e dependência às relações humanas e a solidão  como libertação, há também outras camadas revestindo a experiência humana como por exemplo, a  escolha política do minimalismo e a auto-suficiência como experimento social contra a sociedade de  consumo e a proteção do planeta. A conexão porém emana da própria expressão gênica, ela não é  algo fortuito, acidental, ela é uma força evolutiva, ela é uma força vital. Como inserir na nossa  cartografia humana o relevo da solidão como parte do processo de socialização? 

A FORÇA BIOLÓGICA DA CONEXÃO  

Um dos fatos que mais atestam a importância da conexão para a vida humana é a dor social. Essa  dor está relacionada à exclusão social, sentida como amaça às nossas conexões. São dores de  perdas, luto, rejeição, separação, divórcio, bullying e críticas. Os neurocientistas Naomi Eisenberger e  Matthew Lieberman descobriram que o mecanismo neural de defesa na presença de dor social é o  mesmo da dor física, e igualmente ao da dor física, provoca uma ativação cerebral frente a  necessidade biológica básica de conforto e acolhimento social. A dor social ameaça nossa  sobrevivência tanto quanto a dor física. 

Steve Cole, um hematologista e oncologista da faculdade de medicina da UCLA, investiu suas  pesquisas em buscar relação entre o funcionamento desse tipo de resposta cerebral, que tomam  para si a dor social como ameaça à vida, e a expressão gênica nos humanos. Os resultados não  deixam dúvidas.  

O impacto biológico do isolamento social continuo ou através de uma dor social aguda atinge vários  processos internos, e inclusive um dos mais básicos que é a atividade de nossos genes. As  alterações na expressão de genes das células imunológicas por exemplo, se associaram diretamente  à experiência subjetiva de distanciamento social, independente de qualquer outro fator de risco  conhecido como, estado de saúde, idade, peso e uso de medicamento. Sua equipe descobriu que  209 transcrições de genes na primeira etapa da produção de proteína, se altera entre aqueles que  sentiam dor social e os que não sentiam.  

Para que você compreenda a importância disso, acho que vale lembrar que todo comportamento  fisiológico e emocional humano só é possível porque produzimos proteínas a partir de nossos genes.  Elas reparam células doentes, curam feridas, fazem nossos intestinos funcionarem, nos levam a ação  quando temos uma emoção, ou uma necessidade. Tudo em nós é proteína! Quando isolados e em  dor social, nossos genes que regem o processo de produção de proteínas ficam comprometidos, por  isso cai nossa imunidade.  

Outro achado importante é a expressão gênica dos leucócitos, aquele grupo de células brancas  constituído por neutrófilo, basófilo, eosinófilo, linfócito e monócito que têm a função de proteger o  organismo contra infecções. Eles são afetados em indivíduos cronicamente solitários. 

Trabalhos científicos recentes estabeleceram uma base teórica e fortes evidências empíricas do  impacto causal das relações sociais sobre a saúde. Estudos prospectivos, que controlam o estado  de saúde inicial, mostram consistentemente um maior risco de morte entre pessoas com baixa  qualidade de relacionamentos sociais. Quando estabelecemos boas conexões sociais, sejam íntimas,  amorosas ou não, há um aumento de 50% na nossa longevidade. Nossa imunidade se fortalece  porque genes impactados pela solidão, responsáveis pela imunidade e inflamação, são silenciados. A  conexão social acelera o tempo de recuperação de adoecimentos e traumas, sem contar a melhora  que causam em quadros de ansiedade e depressão. 

POUCAS E BOAS CONEXÕES, LIVRES TAMBÉM  

Mas esses cientistas são enfáticos em afirmar que, o que conta na expressão gênica não é o número  de pessoas que você conhece, mas sim o número de pessoas com quem você pode ser você,  relaxar e se sentir apoiado ao longo do tempo. Relações profundas e maduras que atravessam  tempestades e se sustentam ao longo do tempo importam! 

Dada a complexidade da psique humana, da mente e de suas projeções, também considerando que  a genialidade do silêncio como disse uma vez Gibbon, tem sua importância, o estar só não deveria  ser vista como uma ameaça a nossa própria vida. E de fato não é visto assim pelo nosso cérebro. 

Pesquisas usando ressonância magnética funcional revelam a existência de duas redes neurais  distintas para o pensamento social e não social. O surpreendente é que, essas ruas redes dialogam  e se compensam. Quando uma rede aumenta sua atividade, a outra tende a se acalmar. Assim,  quando terminamos de fazer algum tipo de pensamento não social, a rede para o pensamento social  volta a se ativar como um reflexo. Faz parte da experiência humana esse movimento de conectar e  buscar a solidão, se misturar ao outro e se recolher. 

Claro que a presença supra e simples do outro em nossas vidas não significa, de modo algum, que  estejamos confortáveis e seguros. Muitas vezes a proximidade com o outro não elimina a sensação  de dor social. O importante não é a conexão em si, mas a qualidade da conexão que se constrói. O  isolamento em si diz pouco, já que ele é muito bem vindo quando sentimos conforto na nossa própria presença.  

Equilibrar essas duas forças biológicas e construir relações profundas e autênticas nas quais  podemos nos retirar quando precisarmos, estar conosco, sentir a força e a beleza de nossa  companhia é um parâmetro muito bom e que diz muito da qualidade de nossas conexões. Afinal,  submergir para compreender a natureza das nossas necessidades, para entender a natureza das  provocações que o bom relacionar nos presenteia, estar só para ganhar genialidade é também essencial para a construção de boas e profundas conexões. 

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