As emoções fazem parte da vida humana, inexoravelmente. Elas são respostas subjetivas a estímulos internos ou externos e ajudam a dar significado e contexto às nossas experiências e a comunicar nossos sentimentos aos outros. Elas também desempenham um papel importante na tomada de decisões. Um dos grandes desserviços que abordagens levianas e simplistas sobre as emoções pode oferecer é a visão maniqueísta que as classifica em categorias como boas e ruins. O pior é que isso também empobrece a experiência humana na medida em que sugere que devemos escolher as boas em detrimento das ruins para sermos felizes. Tudo que reduz o drama existencial humano e aplaina o nosso relevo emocional, em si rico e cheio de contradições, infantiliza e resseca a vida humana. Não existe emoção boa ou ruim. As emoções são combustível para o ato criativo e o que importa e qualifica nossa experiência de vida é a maneira como processamos nossas emoções.
As emoções surgem da nossa troca com o mundo. Elas estão enoveladas na mente e no cérebro, e formam assim um intrincado sistema de comunicação e ação. Existem emoções que nos fazem expandir, daí somos levados a outras dimensões, muitas vezes de difícil explicação. Essas emoções fazem florescer em nós estados anímicos que nos deixam ampliados, felizes, confortáveis e cheios de esperança. Por outro lado, quando experimentamos uma emoção pungente e intensa que nos faz contrair, somos recolhidos a uma unidade muito básica e entramos num estado de alerta como se precisássemos de proteção diante de um grande risco.
Na vida real ou imaginária, as emoções surgem naturalmente e algumas vezes não sabemos o que fazer com elas, outras vezes reagimos a elas no impulso. Há situações em que, ao experimentar por um espaço de tempo curto uma determinada emoção, somos capazes de refletir sobre ela e fazer escolha, e isso é o máximo porque adquirimos mais controle da situação.
Eu sei que você pode estar pensando que, se for assim, você preferiria escolher como agir do que reagir impulsivamente diante de uma emoção gerada pela situação, pois isso pode ser ruim. Pois é, eu entendo você, só que esse processo de responder ou reagir às emoções mais pulsantes e intensas não está totalmente sob nosso controle, ou melhor, se quisermos ter controle sobre ele precisamos de muito treino e aceitar várias derrotas.
Seria ingênuo supor que precisamos apenas de emoções que nos trazem conforto e expansão e, pior ainda, considerar que apenas essas emoções nos comunicam coisas importantes. O que fazer então com todas as emoções difíceis que nos atravessam constantemente?
Você sabia que, quando estamos vivendo uma situação de desafio ou de risco, seja ele real ou imaginário, acionamos um mecanismo de defesa primário e complexo que envolve duas grandes áreas do cérebro? A primeira delas é o cérebro basal e a outra o cérebro emocional. Vamos entender esse mecanismo, porque ele é precioso.
O cérebro basal se refere ao tronco encefálico localizado entre a medula espinhal e o diencéfalo. Ele é considerado a região mais primitiva do cérebro humano, responsável por regular nossas reações associadas à sobrevivência e territorialidade. Essa região controla mecanismos de proteção e a busca por alimento, abrigo e segurança. Acionada, ela nos faz reagir sem pensar e de forma instintiva. Mas, ela não faz isso sozinha, ela precisa mobilizar nossos hormônios para isso, e ela busca ajuda. Quando há um risco, o cérebro basal envia sinais que estimulam o cérebro emocional, a região do sistema límbico que tem controle total sobre nossas emoções, comportamento e memória de dor e trauma. Estes dois mecanismos funcionais do sistema nervoso foram criados a milhões de anos para regular nossa reação diante de ameaças, assim entendidas em razão da memória traumática que registramos ali e do nosso programa de defesa do subconsciente. Quando sentimos uma ameaça, reagimos de forma instintiva e imediata porque esses dois mecanismos funcionais nos impelem a sobreviver, seja fugindo, seja lutando ou fingindo de morto. Isso mesmo, tem gente que sobrevive fingindo não existir.
Emoções primárias como por exemplo a raiva e o medo nos comunicam fatos essenciais e nos emprestam uma força para agirmos. A raiva comunica que a situação ameaça nosso ego, nossa autoridade, já o medo comunica que a situação impõe risco à nossa integridade física e emocional. Deste modo, em milionésimos de segundos, estes dois cérebros se organizam para reagir de forma incisiva e imediata, análoga aos animais sob perigo. Se tivermos memória traumática registrada no sistema límbico (amígdala cerebral) e confirmada pelos nossos traumas (subconsciente) a raiva será transformada em uma força de fúria para agredirmos ou fugirmos do que nos ameaça, e o medo se transformará em pavor, uma força que nos congelará.
Se quisermos ter controle sobre esse mecanismo de defesa arcaico, animal, precisamos aprender a acionar uma outra parte do cérebro, evoluída nos últimos milhares de anos apenas. Este é o cérebro cortical, ou cérebro racional. Ele se refere à camada externa cinzenta, cheia de neurônios com várias giros e sulcos. Este cérebro é responsável pela percepção do que sentimos, pelo planejamento e escolhas. Seu papel é, portanto, essencial para a cognição superior, que diz respeito à tomada de decisão, atenção ampla, motivação, aprendizado, solução de problemas complexos e capacidade de abstração.
Justamente neste nível funcional podemos escolher nossa resposta em vez de reagir instintivamente. Isso faz uma diferença enorme na qualidade das nossas interações, principalmente porque nos dá mais controle sobre nossas emoções e impulsos. Para que isso aconteça, precisamos de uma lado, superar memória de dor e trauma e, e por outro, treinar
nossa resposta nos contendo diante do ímpeto de reagir emocionalmente. Evitando justamente o que Sêneca tão bem resume em uma única frase:
“a razão quer decidir o que é justo, a raiva quer que se ache justo o que ela decidiu” Vamos ver como isso seria possível:
Na via de defesa emocional, uma emoção é gerada e nossos marcadores somáticos do sistema límbico e tornam automático o processo da tomada de decisão.Nossos padrões do subconsciente junto com a memória de dor registrada no sistema límbico produz informações que dilatam e dramatizam a situação. Este via é rápida porque é automática, nós nem pensamos e já estamos reagindo. Ela pode ser útil em alguns poucos casos, e limitante em muitos. Ao tentar resolver uma situação nesta via utilizando apenas as informações fornecidas aqui e a força que a emoção disponibiliza, raramente teremos uma solução minimamente satisfatória. Esta via aumenta o estresse, o desgaste pessoal e nas relações e atrasa o amadurecimento emocional.
Na via de defesa racional, o panorama oferecido pelo cérebro emocional é levado ao córtex (pré-frontal) e isso permite uma abordagem totalmente diferente. Neste caso, nós podemos tomar consciência da emoção, explorar sua energia, e em vez de agir no impulso, podemos aguardar. Se aguardarmos apenas 90 segundos em vez de explodir, saberemos exatamente o que fazer para ter uma solução melhor para a situação. A raiva e o medo nesta via de processamento colocam a disposição informações do contexto pessoal e circunstancial e disponibilizam suas forças para agirmos de modo muito diferente da via emocional. A força da raiva será usada para termos uma inteligência e sensibilidade incrivelmente aumentadas, o que facilitará a busca de solução para a situação, e a força do medo será usada para planejarmos a travessia pela situação com muita cautela, o que facilitará diferenciar o que é risco real do imaginado.
Enquanto a decisão da via emocional vem sempre das experiencias passadas de sucesso ou insucesso, frustração, angustia ou necessidade de proteção e vinculo, a decisão da via racional facilita cenários futuros, inclusive abrindo espaço para considerar que a situação pode não ter bom desfecho numa primeira abordagem. O controle emocional sem negar as emoções e o controle sobre o agir por impulso permitem uma melhor compreensão da situação, e com isso diminui o estresse e o desgaste pessoal e nas relações, aumentando a clareza mental e acelerando nosso amadurecimento emocional.
Isso pode ser a diferença entre vida e morte para nossos relacionamentos, o que trataremos no próximo artigo.