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Com a palavra a ciência

A mente humana e nossas escolhas – parte 1

Para entender a mente humana, o universo é o limite! Nossa mente é um dos mais  fascinantes sistemas complexos conhecidos. Junto ao cérebro, ela é responsável por  processar informações, influenciar diretamente na tomada de decisões e também criar  

memórias. A mente é independente do cérebro, embora ambos se influenciem mutuamente.  O processo de fazer escolhas é um dos mais importantes para a vida humana, e nele a  mente avalia informações com vistas à tomada de decisões, para que o cérebro as execute,  com base nos programas gravados no subconsciente, que é um sofisticado sistema de  proteção contra qualquer ameaça à nossa integridade física e psíquica. Este processo é  influenciado por fatores internos, como emoções, traumas, dores, crenças e valores, bem  como fatores externos, tais como o ambiente e as circunstâncias que nos envolvem.  Considero essencial entender a mente enquanto uma entidade independente para que você  possa se conhecer melhor. A mente é um campo que nos faz abertos e transcendentes, ou,  a depender do nosso programa interno, aprisionados e limitados. 

 

A MENTE HUMANA NÃO ESTÁ PRESA DENTRO CÉREBRO  

Me caiu às mãos um dicionário curioso, o The Devil’s Dictionary de Ambrose Bierce, e nele  encontrei essa definição sobre a mente: “uma forma misteriosa de matéria secretada pelo  cérebro, engajada em uma tentativa fútil de entender a si mesma sem nada ter além de si  mesma para conhecer a si mesma”. 

Essa ideia não é nova, pelo contrário. Ela é um fóssil carregado cuidadosamente de mãos  em mãos por alguns do materialismo científico desde os tempos de Newton. Eles defendem  o princípio que diz ser a mente um produto da atividade cerebral. Ou seja, a materialidade  física, o cérebro, cria estados mentais porque a mente em si não tem atributos próprios. Que  coisa! 

Eu adoro divergir neste ponto, e o faço em segurança utilizando um corpo antigo e vasto de  evidências clínicas e científicas contrárias a esta visão tão anacrônica. O primeiro a falar  sobre o tema foi Descarte, lá no séc. XVII, com sua frase icônica “penso logo existo”. Se  esforçou em vão na época, porém fez história. Hoje em dia, médicos e cientistas de  considerável reputação reforçam a ideia de que a mente vai muito além do funcionamento  físico do cérebro. Ela vai além! A tal ponto além que, cientistas do porte de Max Plank, físico  teórico vencedor do Nobel da Física em 1918, afirma: 

“Eu considero a consciência fundamental. Eu considero a matéria como derivada da  consciência. A consciência é uma realidade. Tudo que consideramos existente, postula a  consciência”

A consciência é a maneira que percebemos a nós e ao mundo, a maneira que pensamos,  nossas intenções, sentimentos, emoções. Ela é parte integral da mente.  

Eu entendo bem a dificuldade dos mais conservadores. Admitir que a consciência não seja  um produto do cérebro, implica em assumir que a matéria, neste caso o cérebro, não seja  necessária para a consciência em si. Isso é muito forte porque implica em admitir que a  mente é independente e tem sua natureza própria. Desde Newton que esse pessoal insiste  em considerar a matéria como a única realidade, e portanto, sendo a mente imaterial como  é, ela só pode ser vista como um produto do cérebro.  

Os revolucionários chegaram no início dos anos 20 do século passado. Niels Bohr, outro  vencedor do Nobel da física em 1922, promulga: “tudo que chamamos de real é feito de  coisas que não podemos classificar com real”. Pense bem, veja a dimensão dessa  afirmação! Pensar assim requer outro modelo mental, requer sair de um sistema de crença  newtoniano e se aventurar por ai nas novidades. Mas, como é difícil mudar! 

 

A MENTE HUMANA COMO ALGO EM SI  

O médico Dan Siegel, professor de psiquiatria na Faculdade de Medicina da UCLA, junto  com um grupo de cientistas elaboraram uma definição que expressa bem a natureza da  mente. Com base em seus estudos, concluíram que a mente é idêntica aos sistemas  complexos, e por isso se define melhor como “um processo emergente que se auto organiza, presente tanto no corpo quanto nas relações, que regula o fluxo de energia e  informação dentro de nós e entre nós”.

Claro que ninguém conseguirá segurar a mente nas mãos como se faz com qualquer outro  órgão do corpo mas, ainda assim, ela é uma estrutura soberana e com atributos próprios. A  mente é aberta para influências, não linear, capaz de caos, polarizada e automática. 

Gostaria de listar e discorrer sobre cinco atributos da mente. São eles:

  • Auto-organização 
  • Processamento da informação 
  • Experiência subjetiva 
  • Criação de novas realidades 
  • Consciência 

 

Auto-organização  

A auto-organização refere-se ao surgimento de uma ordem geral, no tempo e espaço, de um  sistema complexo, que resulta das interações coletivas de seus componentes individuais. Ela  ocorre tipicamente em sistemas em estado de não equilíbrio. Assim como as células do  nosso corpo, a mente com suas inúmeras interações (dentro da pessoa, com outras  pessoas, com o ambiente, com o subconsciente, com a consciência, com as crenças, com  os valores, com fantasias e projeções) representa o local perfeito para a auto-organização,  sob pena de nos matar com tamanha quantidade de dados conflitantes. As propriedades e  características dos sistemas auto-organizados, como a formação espontânea de padrões,  acoplamento não linear de reações, ondas e oscilações, são encontradas tanto na moderna  biologia celular quanto na mente. 

Este atributo da mente está intrinsicamente associado ao sistema de crença de uma pessoa  que, em pinceladas generosas, se deixa dividir em dois tipos. No primeiro, a pessoa valoriza  ter a situação sob controle, bastante favorável a ela, para poder se organizar, e neste caso,  quando colocada numa situação desafiadora, precisará de garantias prévias para se mover.  A crença que permeia esse tipo de organização é ter controle. No segundo grupo, a  pessoa se organiza na medida em que lida com as dificuldades. Existe bastante curiosidade  com o processo em si, que não necessariamente é alegre. Há bastante esforço, muitas  vezes dor, mas a pessoa se anima em prosseguir. A crença está na aceitação do fluir

Estes dois sistemas de crença subjazem ao modo de como a informação será processada, o  segundo atributo da mente. 

 

Processamento da informação  

Sistemas complexos utilizam mecanismos de atenção ao meio externo e interno para  perceber e absorver a informação, encaminhá-la e processá-la. Assim como a mente, esses  sistemas podem ser vistos como um fluxo de grande quantidade de informações, de variada  natureza e complexidade, muitas vezes contraditórias, que circula de fora para dentro e vice versa. 

Nós humanos processamos informação de modo singular. Segundo Andreas Riener da  Johannes Kepler University Linz, na Austria, mais de 10 milhões de bits/s de informação  chegam aos nossos órgãos sensoriais mas, apenas uma porção ínfima de 50 bits (0,0005%)  receberá total atenção e será consideradaO sistema nervoso humano é capaz de absorver conscientemente pouca informação  disponível. Não pense que por isso a outra parte será negligenciada. Essa imensa  quantidade de informação será registrada no subconsciente e ficará disponível para uso  oportuno, como parte do mecanismo de auto-organização. 

Podemos entender muito bem este atributo da mente se tomarmos mais uma vez as  crenças como parâmetro. Nesse sentido, vislumbramos dois mecanismos de processar a  informação, a partir daqueles dois modelos de auto-organização. A pessoa modulada pela  crença do ter controle, por necessidade de se sentir segura antes de enfrentar desafios,  tem atenção seletiva para o que pode ameaçá-la, e assim mapeia o ambiente e reage sob a  regulação do sistema límbico àquilo que parece ser um risco à sua segurança, ou ao seu  prazer. O sistema límbico é nosso centro emocional, local de registro dos eventos de dor e  trauma em nossas vidas e, portanto, a resposta que se orquestra por aqui tende a dar em  primeira mão, segurança e satisfação imediata. Aquela grande quantidade de informação  disponível no subconsciente fica amplamente acessível aqui. Por outro lado, pessoas  moduladas pela crença do fluir, por estarem dispostas a enfrentar obstáculos sem muitas  garantias prévias, processam a informação mais pelo córtex cerebral. O córtex é uma região  do cérebro que oferece alta resistência ao desconforto, permite atenção ampla e regulação  de impulsos e distorções emocionas que vêm do sistema límbico. Justamente por isso ele  tem um papel importante na auto-organização e planejamento a longo prazo.  

Nós humanos temos uma tendência natural de fazer escolhas frente a uma situação que nos  desafia, pelo modelo do controle. Na medida em que tomamos consciência do quanto esse  modelo nos limita e aprisiona a uma ideia ilusória de conforto e segurança, vamos nos  permitindo fluir. Haverá recaídas, isso é natural, o importante é ter consciência da situação e  fazer escolhas que não nos fechem para o desconhecido e o inesperado. O uso de um ou  outro mecanismo de processar a informação dirá muito sobre a pessoa que somos,  especialmente sobre nossa maturidade emocional e capacidade de enfrentarmos desafios.  Sempre oportuno lembrar que, nossa capacidade de auto-organização está diretamente  proporcional ao mecanismo que usamos para processar a informação. Quero dizer que,  quanto mais fluxo houver, menos aprisionamentos a garantias prévias e mais flexibilidade e  reconhecimento das nossas vulnerabilidades, mais aptos estaremos a evoluir. 

 

Até a próxima quando exploraremos mais atributos da mente!

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