Chegamos naquele ponto muito perto de não haver mais volta para nossos biomas. O planeta grita por socorro e respeito, ao passo que os coaches de plantão vendem inescrupulosamente promessas de aumento de faturamento, de riqueza sem fim, como outro dia vi anunciado no perfil de uma colega. Embrulhadas em ilusões de sucesso instantâneo, essas orientações ecoam nas redes sociais e caem bem em ouvidos desavisados. São muitos coaches vendendo apenas uma ilusão de controle e enriquecimento, numa realidade que estampa uma terra desonrada e imprópria para o sucesso. Como poderia haver prosperidade quando o solo onde vivemos, sobre o qual prometem semear o enriquecimento, está devastado? ora são labaredas, ora águas revoltas, e sem trégua se exauri a terra do futuro, exaurindo-a. Você já parou para se perguntar em qual planeta essas pessoas pretendem se enriquecer? No Brasil faltam as condições materiais para o enriquecimento fácil prometido. No cenário atual, a promessa de riqueza imediata é apenas uma moeda de troca vazia e imoral usada para enriquecer alguns poucos e enganar os demais. Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança à terra desce – será mesmo? Em nosso formoso céu, nada límpido, nem mesmo a imagem do cruzeiro resplandece. A psicopatia do enriquecimento machuca nosso berço esplêndido tornando cada vez mais distante para suas filhas e filhos, animais e plantas, o mínimo de dignidade.
Estou usando o termo psicopatia do enriquecimento de caso pensado. A psicopatia se caracteriza por um distúrbio mental grave em que o enfermo apresenta comportamentos antissociais e amorais, sem demonstração de arrependimento ou remorso, além de uma incapacidade para amar e se relacionar com outras pessoas com laços afetivos profundos. Psicopatas são pessoas egocêntricas e com incapacidade de aprender com a experiência. Muitas dessas pessoas doentes estão ativas nas redes sociais e na política. Essas pessoas manipulam e prometem o paraíso material, o céu na terra, sem se preocupar minimamente com o paraíso ambiental único que poderá nos garantir a vida num futuro imediato. Não se trata de ganhar dinheiro, se trata de respirar e viver.
Se ao lado dessa onda de manipulação, juntarmos a ideia geral que temos sobre a cidade, entenderemos nossa dissociação suicida com a natureza, e isso explicaria em parte, a situação do desastre climático que vivemos no pais inteiro.
O que é a cidade para nós? Essa pergunta nos fez Antonio Bispo e ele mesmo respondeu: é o contrário da mata, o contrário da natureza. A cidade, explica ele, é um território artificialmente humanizado, arquitetado para os humanos.
Tudo indica que construimos a cidade como um forte para nos abrigar da natureza indomável. Como princípio, fomos desenvolvendo uma crença de que o território humanizado da cidade nos serviria de abrigo contra os riscos da natureza. A cidade feita à ideia de fortaleza.
E todos os seres da natureza que ousassem cruzar o território da cidade deveriam ser domados. Exceto, claro, os humanos que, em sua maioria, não se consideram parte da natureza. Foi assim que chegamos à ideia de subjugar e controlar a natureza, seus rios e suas matas, com toda ignorância e arrogância possíveis.
Você sabia que Belo Horizonte tem mais de 208 km de rios canalizados ou revestidos? Das mais de mil nascentes da cidade, apenas 11% estão em bom estado de conservação. São Paulo, outro triste exemplo, tem debaixo de suas ruas, calçadas e prédios mais de 300 rios, com 1500 km de curso d’água canalizados sob concreto. Áreas de rios e florestas foram assim sacrificadas e as que sobraram ou foram criadas, são mínimas e reduzidas a quadrados verdes que se perdem em meio ao cinza e preto do concreto e asfalto.
Mesmo a natureza que cintura as cidades não mereceu nosso respeito. Áreas que antes poderiam ainda ser vistas com vasta vegetação, seja nos campos ou nas margens de rios, foram simplesmente devastadas para lá se plantar soja, cana, milho ou criar gado. Enormes áreas de monocultura e de criação expulsaram a riqueza natural e sua diversidade para os cantos ermos da terra, e estão cada vez menores e mais vulneráveis.
Temos olhos arregalados de pura ganância e nenhuma identidade com a natureza. Esses olhos se voltam para uma mata e logo vêem ali apenas o lucro vindo da eliminação daquela riqueza verde. Não importam animais ou a flora, nem tão pouco o que eles representam para a segurança futura de uma nação, importa apenas o enriquecimento imediato.
Nós nos separamos do reino animal do qual somos parte. Não se conhece outro animal, além do humano, que seja capaz de tamanho poder de destruição orquestrado apenas para benefício próprio. Estamos doentes na alma. Somos capazes de ignorar que a natureza destruída impiedosamente, é a ruptura da cadeia natural da vida. Não é apenas a cadeia alimentar, mas a cadeia orgânica que garante a ordem natural e a harmonização do ambiente que protege a vida de todos. Até quando os ignorantes vão poder lucrar com a destruição da natureza que dá a vida?
Toda essa insanidade humana destilada contra a natureza tem preço e a conta chegou alta. Pagamos com nossa própria vida, para dizer o mínimo. A crise do clima acelerada é fruto do nosso descaso com a natureza. Pensar em desmatar ou atear fogo criminosamente numa mata lá na Amazônia para ter mais área de pasto ou plantio, é contratar uma dívida impagável aqui no sudeste, porque os rios aéreos que de lá correm pelos céus do pais até nossas cidades e campos deixarão de fluir. Isso aconteceu esse ano de 2024 de modo extremo. Se não fosse por esses rios, o sudeste seria um deserto como os da Austrália. Graças a esse volume de água estamos com terras produtivas, mas mais do que isso, temos água para beber, para banhar, para saciar a sede dos animais, para as plantas e plantações.
Na situação que nos encontramos atualmente, nem o forte erguido de nossas cidades nos dará guarida e proteção. Se não são as chuvas descontroladas que carregam consigo cidades, ruas, gente, animais, plantações, criações, é o fogo que arde e esturrica todos os cantos da terra cobrindo as cidades com a fuligem e poluição.
Os olhos ardem, o céu escurece antes do sol se por, as manhãs acordam cinzas com o sol de pé. O ar irrespirável açoita a tudo e a todos com ventos impiedosos que carregam mais fagulhas e queimam ainda mais. É insanidade pura. As pessoas tentam se refugiar, mas ir para onde?
O que fazer? O começo é simples, precisamos nos apaixonar perdidamente pela natureza e transformarmos ganância por respeito. Como Antonio Bispo ensina, vamos trocar desenvolvimento por envolvimento, desenvolvimento sustentável por biointeração. Nós precisamos de humildade para reconhecer que não há nada e ninguém que saiba mais do que a natureza . A natureza ensina e oferece gratuitamente uma riqueza que nosso mercado financeiro ainda não aprendeu a mensurar.
Essa riqueza é a base da vida, sem a qual não há futuro.
O momento é chegado. Vamos refletir juntos, vamos conversar sobre isso, porque não dá mais para ignorar a menos que queiramos todos morrer a mingua, ressequidos ou afogados na força da natureza que, um dia, imaginamos poder dominar.
Vamos fazer nossa parte, plantar árvores, apoiar quem planta árvores. Precisamos reconsiderar nossa relação com o outro e com a natureza. Deixe seu coração umidificar sua razão, a hora é agora.