Cada novo ciclo, como o início de um novo ano, abre em nossas vidas muitas frentes. Querer andar e se sentir preso é uma situação muito precária, que gera muita dor e aflição. Há como desacorrentar-se do eterno ontem e caminhar nesse agora? Acho que sim, deixa eu te contar.
Cada novo ciclo, como o início de um novo ano, abre em nossas vidas muitas frentes. Não que eu seja adepta das tais resoluções de ano novo, pelo contrário, eu não gosto nada desse tipo de imposição floreada. Ao final de um tempo, a gente acaba descobrindo que, muitas vezes, a realidade sobrepõe seu interesse ao nosso, já que a maioria das resoluções saem do nosso controle por serem simplesmente descabidas, e outras terminam fazendo seu próprio caminho apenas esbarrando em nossas vidas. Eu acho melhor degustar o fim de um ciclo com calma, eventualmente refletindo sobre o que está acabando e tomar pra si as lições dos tempos. Isso vai abrindo uma passagem para esse estado oceânico que se chama curiosidade e que desperta o espírito para a vida, como uma flor de primavera. O sol na cara, um beijo forte de uma abelhinha nas nossas entranhas cheirosas, o vento a bater, abrindo e dobrando nosso ser sem quebrá-lo, que delícia é a antecipação das novidades de um novo ciclo, não é? Esse romance jamais será experimentado se você pisar no território desconhecido preso aos rotos hábitos que impedem a ousadia dos passos subsequentes. Querer andar e se sentir preso é uma situação muito precária, que gera muita dor e aflição. Há como desacorrentar-se do eterno ontem e caminhar nesse agora? Acho que sim, deixa eu te contar.
Em plena pandemia eu decidi comprar um remo e começar a treinar em casa. Foi uma descoberta que me desafiou porque até então eu só tinha olhos para a yoga e meditação. Foi radical. Eu precisei de muita disciplina, eu remava de segunda à sexta, um dia muito rápido por 15, as vezes 20 minutos e outro dia mais lentamente por 45 minutos. Devo ao meu remo descobertas incríveis que fiz nos podcasts que eu ouvia, conversas do mundo todo. Uma delas me chamou atenção. Era 1de junho de 2021, e o Shane Parrish do the Knowledge Project entrevistava Adam Grant sobre como repensar
nossa posição no mundo, como tomar decisões dentre outras coisas. De súbito tive um insight sobre aqueles velhos hábitos que grudam na nossa pele e nos fazem prisioneiros e resistem ao tempo. Em inglês de diz “old habits are hard to die” – velhos hábitos morrem com dificuldade.
Naquele momento em 2021, animada no meu remo, eu contemplei algo novo sobre isso. Foi como olhar por uma fresta e ver um novo lugar, um panorama a ser explorado. A maioria das orientações que temos sobre como superar velhos hábitos são, ou declaradamente ou esotericamente impositivas, em todo caso, ambas forçadas em nós, e cá pra nós, isso não aguenta o peso do tempo. Funciona mal simplesmente porque não se pode ignorar o registro interno que criamos do nosso contexto. O contexto está muito bem cerzido não apenas à nossa psique e ao nosso corpo, mas, sobretudo, à nossa alma. A realidade contextual nos acompanha sempre, e quando forçamos novas resoluções desconsiderando esse contexto, qualquer alusão que venhamos a fazer sobre a mudança é pura ilusão. Impor novos hábitos para além da nossa vontade interna, gera muito mais aflição e adoecimentos do que novos movimentos.
Por que isso? Eu acredito que uma possível resposta esteja na necessidade de reconhecermos que a mudança tem em suas mãos duas forças e não apenas uma, duas rédeas, uma delas impulsiona nos levando pra frente, e a outra contem e força ficarmos onde estamos. A rédea que impulsiona é bem conhecida, ela é aquela energia interna da curiosidade que nos motiva a ir porque vê no desconhecido uma novidade, uma cura, um alento. Já a rédea que nos prende ao conhecido é muito pouco compreendida. Tudo que sabemos dela é o que sentimos sob seu comando – frustração, dor, vontade de sair correndo, de dar o tal passo e nos libertarmos. Por rejeitarmos essas rédea, aprendemos a não dar ouvidos a ela, e justamente por isso perdemos a chance de olhar para o contexto no qual ela esta inserida e nós também. Olhar para nós mesmos honestamente e buscar pistas para entender o que exatamente acontece e o que essa força de contenção busca é essencial para afrouxar essa rédea. Eu acredito que ver e ouvir esse contexto faz a diferença nas decisões para a mudança. Vamos mergulhar mais fundo?
“Não é possível que você ainda esteja nesse mesmo lugar depois de tanto tempo!”. Conhece essa frase? Se você é uma pessoa que honestamente vem tentando mudar mas não sai do lugar, essa cobrança causa ainda mais desanimo e frustração, o que piora ainda mais a situação. Eu não me refiro às pessoas que vivem rotineiramente desassociadas da realidade, e que constantemente se iludem dando a impressão que estão prontas para a mudança. Nada disso. Essas pessoas precisam de ajuda profissional, porque no caso delas a vida é uma montanha russa, ora cheia de entusiasmo com um novo projeto, esse também fora da realidade, ora com a dor da crise grave decorrente das péssimas escolhas. Essas pessoas normalmente saem das crises convencidas de que “as fichas caíram”, mas na verdade, na prática, continuam a viver uma vida arriscada de quimeras.
Como entender essa força que contem impedindo a mudança, manifestada nos velhos hábitos? Que tal, em vez de nos perguntarmos por que isso ainda acontece comigo, partirmos para como isso ainda acontece comigo?
Há uma diferença. Nada dos porquês ainda estamos presos às correntes está dado. Podemos ter uma pálida ideia sobre essa situação, mas tudo é mais complicado do que parece. A interação humana com a realidade é bem complexa e cheia de variáveis, e o nosso quase completo desconhecimento dos programas internos de defesa, gravados na primeira infância em nosso subconsciente, nos coloca inevitavelmente num mar de incógnitas, resultando numa honesta incapacidade de encontrarmos respostas para essa pergunta. Isso nos faz entrar num looping cognitivo-intelectual, frustrante e recorrente que nos faz sentir duplamente um lixo.
Encarar essa dupla miséria, o encosto dos velhos hábitos e a própria ignorância sobre eles, é difícil. Essa condição frustrante e dolorosa encontra apaziguamento na fuga. Os projetos autorais do tipo “sou dono do meu caminho” nos dão a chance de virarmos viajantes siderais e paladinos da ilusão, e ao mesmo tempo, negadores convictos da necessidade de mudar.
A mágica acontece quando você muda a orientação da pergunta: em vez de por que, usar o como isso ainda acontece comigo. A dinâmica muda. O como te leva, necessariamente, a observar o que está em curso em você, no meio externo, nos outros, nos seus sonhos e medos, nas angustias. Você coloca sobre a mesa esse grande tabuleiro das circunstancias e da sua historia, do seu eterno ontem e do hoje. Você começa a buscar relações entre as coisas e a compreender essa força que poderosamente te segura impedindo esse passo à frente. Ouvir essa força e o que ela tem a dizer é entender o como. Nessa escuta você vai encontrar pistas de como sua insegurança e incertezas te prendem, e aí há grande chance de você encontrar também caminhos a serem construídos para que você ganhe algum tipo de controle sobre o novo território e como caminhar por ele. Há uma razão para que algo te prenda, afinal, é saudável e necessário não entrar no novo de modo ingênuo e despreparado. Por isso há uma razão existencial para a força que te segura. Quando você entende isso e pode responder às necessidades dessa demanda por segurança, você afrouxa gradativamente essa rédea e isso gera satisfação, muita ocitocina o que faz aumentar sua energia para encarar a mudança com responsabilidade para com seu contexto. Você fica mais leve.
Não lute com a rédea que te contem, se aproxime dela e comece a ouví-la. Ela existe junto da rédea que quer te liberar não por acaso. Afinal, o passado precisa ser ouvido e não negado. Ao ouvir o eterno ontem se escuta sua sabedoria, e isso faz com que a força de aprisionamento se amaine permitindo seu caminhar com o combustível da rédea que te impulsiona.
Decidir mudar é um processo heroico. Dentre várias coisas, ele exige que tenhamos amorosidade e respeito com nossa própria fragilidade e, sobretudo, que levemos a sério nossa vulnerabilidade. A mudança é um processo, e por isso mesmo ela vem em etapas e dá pra gente mapear um pouco disso. Eu adoro mapas, mas eles não substituem a experiência. O mapa é um recurso que te prepara para a experiência.
Essa mapa é uma tentativa de criar uma incipiente cartografia da decisão. As decisões são processadas no cérebro, não tomadas pelo cérebro! Isso é importante como preambulo. As decisões sao impulsos do desejo motivados por inúmeros fatores, já que o desejo, por sua vez, vem de um completo desconhecido chamado de inconsciente.
Os passos para ouvirmos a força que contem podem ser assim descritos:
Localizar-se, ou saber de si. Nesse passo você precisa estar atento as suas emoções, suas reações, e ao que mais era importante sobre você na situação. Você queria controle, aprovação? Você se sentia vulnerável e indefeso? O contexto é conhecido ou não, ele te ameaça?
Aceitar-se. Nesse passo você é convidado a reconhecer a emoção e mais importante, permitir que ela esteja ali. Explore a energia da emoção e busque o que ela tem pra te dizer, qual é sua sabedoria. Se você for capaz de permitir a emoção por 90 segundos apenas, ela te dirá muito.
Mudar. Nesse passo você planeja a mudança com base em pelo menos 3 guias estruturantes. Vamos chamar o primeiro guia de Qi, ou seja, a quantidade de informação você tem às mãos. É suficiente ou não? Se não for, busque mais e se encha de elementos para melhor compreender o contexto. O segundo guia é a Qe, ou seja, quantas emoções você foi capaz de reconhecer e permitir. As emoções são informações em movimento através do seu corpo e mente. Elas comunicam muito e por isso mesmo dão todas as pistas de como lidar com a situação. O terceiro guia é a Qs, ou seja, quanta sabedoria você foi capaz de tomar pra si tanto do que aprendeu sobre você com suas emoções, quanto do que intelectualmente você foi capaz de processar, com ou sem ajuda de um profissional. Quando esses elementos estão claros, deles brota naturalmente um caminho, uma possibilidade. Confronte-a o quanto for necessário com o que está descrito nos passo 1 e 2.
Acordos impecáveis. Nesse passo você tem os elementos para entrar em ação sabendo claramente dos acordos que precisa fazer interna e externamente para realizar seu plano. Não deveria haver dúvidas sobre esses acordos, pois são eles que pavimentam um caminho seguro para a mudança.
Reconhecer e aceitar a quebra dos acordos. Nesse passo é importante saber que acordos são quebrados o tempo todo. Evitar as armadilhas surradas da tríade vítima-herói-vilão e buscar experimentar mais sua humanidade criativa é bem parte desse aprendizado. Seja lá o que tenha dado errado, deu errado e pronto. Não deu errado porque tudo e todos estavam contra você, como a vítima costuma dizer; ou porque você se lascou tentando salvar todos e tudo, como o herói cheio de si costuma agir; ou porque você queria mesmo era ter controle de tudo e todos já que todos são incapazes, como o vilão pensa e faz. Lá no fundo, nada disso faz sentido. Se você não pôde manter os acordos, não tem problema algum, não crie desculpas que só atrasam o processo. Quebrou um acordo? Volte lá no passo 1 e localize você no contexto, depois reconheça e permita as emoções sejam lá quais forem. Não negue nem bloqueie nada porque elas pertencem a esse contexto, fazem parte de você, como proposto no passo 2. Junte então as informações disponíveis, permita as emoções e tente entender com a quebra dos acordos e se reposicione. Peça ajuda se for o caso, e novamente refaça os acordos necessários para alcançar aquele instante tão desejado que é o passo da mudança, o passo para dentro do desconhecido.
Nesse novo ano você é minha convidada, meu convidado, para experimentar muitas novas abordagens, simples mas instigantes, que podem te ajudar na construção de novas experiências. Eu sempre vou buscar organizar meu material de forma a dar a você mais saúde para uma vida mais longa e plena, para mais conhecimento sobre si e o mundo. Eu peço permissão para entrar em contato com você e te instigar através desse conteúdo a romper seu casulo e ser beijado pela força da primavera. Semana que vem começo uma nova temporada que batizei de “medicina do alimento”, porque acredito que lugar de médico é na cozinha. Até a próxima amores!