Fazer uma boa faxina em nosso corpo com o objetivo de restaurar sua inteligência metabólica, eliminar células doentes e toxinas que são estocadas em nossa gordura, com o objetivo de resetar a inteligência metabólica do corpo, regular os níveis de cortisol, glicose e insulina, aumentar a eficiência das mitocôndrias para uma maior produção de energia e promover a auto-regulação hormonal é desejável e muito importante. Sabe como isso pode ser feito? Através do jejum. Muitos cientistas acreditam que, devido às difíceis condições lá no início quando nossos ancestrais, caçadores coletores, oscilavam entre comer muito quando tinham caça, e jejuar por muito tempo até a comida aparecer novamente, o corpo humano adquiriu um novo registro genético. Segundo essas fontes, as duras condições evolucionárias criaram um novo genótipo que dá ao nosso corpo as ferramentas celulares necessárias para se adaptar aos ciclos de jejum e alimentação. Gostaria de levar você num pequeno percurso sobre os dois sistemas de combustível que podemos usar para obter energia, que são o açúcar e a gordura, e assim te contar sobre a importância e os benefícios da prática do jejum. Se você entender as vantagens por trás do jejum, eu aposto que ficará muito mais fácil introduzir esse fascinante sistema no seu dia a dia.
Você sabia que nosso corpo tem um sistema híbrido para fornecimento de energia? Sem essa energia não há funcionamento do corpo e da mente, já que esse combustível ajuda a reparar tecidos, combater adoecimentos, prevenir doenças, curar, sonhar e criar nossa história nessa vida e muito mais. Esse sistema híbrido funciona à base do açúcar ou da gordura.
O sistema baseado no açúcar (glicose) se ativa quando comemos. Através da digestão do alimento, nosso nível de acúcar no sangue se eleva e as células que utilizam receptores para identificar essa glicose circulante colocam tudo pra dentro. Elas vão usar a glicose para executar suas milhares de funções. Claro, quando você para de comer a glicose vai diminuindo até sair de cena. Neste momento, se não houver mais suplementação de glicose através da alimentação, o corpo liga o segundo mecanismo de aporte energético, o que utiliza a queima da gordura, conhecido também por sistema cetogênico. Segundo a ciência, esse mecanismo será ligado automaticamente 8 horas após a última ingestão de alimentos. Esse sistema é muito mais eficiente para manter nossa energia e saúde do aquele que usa exclusivamente a glicose. As pessoas que nunca ultrapassam 8 horas sem se alimentar jamais experimentaram seus benefícios.
Em 2019, um estudo de meta-análise publicado pela The New England Journal of Medicine fez uma revisão enorme sobre pesquisas relativas ao jejum intermitente. Os resultados mostraram que esse método deveria ser o de primeira escolha para tratamentos da obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas e câncer. Um outro importante resultado encontrado foi o grande efeito do jejum intermitente na desaceleração do processo de envelhecimento.
A lista de benefícios do jejum intermitente, só para citar alguns, pode ser assim resumida, e não se preocupe porque vamos detalhar tudo: aumento da cetose, aumento da resistência mitocondrial ao estresse, aumento da defesa baseada em antioxidantes, aumento da autofagia, aumento dos mecanismos epigenéticos (reparos de DNA), diminuição do glicogênio, diminuição da insulina. Em estudo de 2020 ficou demonstrado que alimentação com restrição de tempo de dez horas (14 horas de jejum) em vez de 14 horas (10 horas de jejum) reduz o peso, a pressão arterial e os lipídios em pacientes com síndrome metabólica significativamente. Estes estudos comprovam que alguns marcadores mais importantes para avaliar as doenças que mais matam atualmente, e que poderiam ser evitadas preciso dizer, melhoram substancialmente. Esses marcadores são: diminuição da gordura corporal total, diminuição da gordura viceral, diminuição da hipertensão, diminuição do colesterol ruim, o LDL, diminuição da hemoglobina A1c (hemoglobina glicada), que está ligada aos índices de açúcar no sangue e da insulina). Vamos olhar com lentes alguns desses importantes benefícios?
Os corpos cetônicos, ou cetonas, são compostos orgânicos produzidos no fígado, através da queima de gorduras, e são usados como combustível para o corpo na ausência de glicose.
As cetonas são incrivelmente reparadoras, e trabalham incansavelmente para regenerar tecidos de todo o corpo, mas especialmente o tecido nervoso. Por isso, as cetonas são tão imprescindíveis na reversão e prevenção da degeneração neuronal. A ação delas no cérebro está ligada ao seu poder de regenerar e reparar neurônios prejudicados ou adoecidos, e consequentemente, há uma melhora da memória, da cognição e do foco mental. Um outro importante benefício desses corpos cetônicos é sua ação sobre as mitocôndrias.
Um parágrafo para as mitocôndrias, porque elas merecem. Elas são essas coisinhas espetaculares que existem em nossas células. Elas já foram bactérias, mas forneciam tanta energia para nossas células que se tornaram parte delas. Elas são tão fundamentais para nossa vida que 2 minutos sem elas seria o suficiente para morrermos. Por serem vital para nós, elas são diferente de tudo. Elas contam com certos privilégios, por exemplo o de manter seus próprios DNAs, herdados apenas de nossas mães! São elas que produzem ATP (adenosina-tri-fosfato) num processo que a ciência cunhou de “respiração celular”, imagine isso!
De volta ao tema, quando as mitocôndrias ficam preguiçosas e diminuem a produção de energia para a célula, os corpos cetônicos é que as revitalizam. Interessante notar que a energia produzida pelas cetonas junto às mitocôndrias, através da queima de gordura, difere demais do fornecimento de energia pela via da glicose. Nesta via, a energia oscila pra cima e pra baixo muito rapidamente. No sistema dos corpos cetônicos, a energia se mantem constante e perdura longamente para ser usada em tarefas físicas e mentais.
Outra coisinha que as cetonas fazem que é muito importante é ir até o hipotálamo, lá no cérebro, e desligar os hormônios da fome. Por isso ,quanto mais você jejua menos fome você tem, ao contrário do sistema da glicose, que ao baixar seus níveis no sangue, o hipotálamo imediatamente manda você comer mais. O uso das cetonas para alimentar o corpo com muito energia, constante e boa, funciona bem porque as cetonas também estimulam a liberação de um neurotransmissor que nos acalma, o GABA, exatamente como na meditação em que ele também é produzido. Essa neuro substância diminui a ansiedade e aumenta o relaxamento.
As cetonas fazem com que a gente se sinta com vigor, com clareza mental e relaxada.
Quem se alimenta de uma dieta cheia de açúcar, deixa eu te lembrar que carboidratos ruins entram aqui também, guarda toda o excesso de glicose nos músculos, no fígado e nas gorduras. Faz sentido não é, porque se você ingere continuamente alimentos que sao açúcares ou que vão produzir glicose no final da cadeia metabólica, esse resto precisa ir pra algum lugar. O glicogênio guardado nos músculos pode ser queimado com atividade física média ou intensa, mas o do fígado e gorduras é uma outra história.
Você sabia que um fígado com excesso de gordura (esteatose hepática) não pode mais executar suas tarefas importantíssimas, e isso pode levar para doenças como a diabetes, aumento do colesterol ruim e doenças hepáticas decorrentes do excesso de gorduras. No jejum, o fígado tem a chance de liberar todo esse excesso de glicogênio e se renovar. Ele também tem a chance de liberar açúcar que ficou guardado nas gorduras para uso futuro. Você sabia que o fígado pode se renovar completamente em 6 meses? Pois é, se você ajudar com uma dieta cetogênica, ela ficará novinho em folha!
O jejum também ajuda você a controlar seus níveis de insulina. Esse hormônio produzido peo pâncreas é inseparável da glicose. Qualquer dieta rica em açúcar e carboidratos faz a insulina disparar atrás da glicose para neutraliza-la. Quando se come em curtos intervalos, esse disparo se torna recorrente e logo as células se tornam resistentes à insulina. O corpo então precisa dar um jeito naquele excesso de insulina também, e pra onde ele vai? Para o fígado e para as gorduras.
Todos profissionais sérios que estudam o jejum concordam em um ponto: para nossa saúde metabólica é mais importante quando se come do que, exclusivamente, que tipo de dieta se usa. O fato de aumentar o intervalo das refeições e introduzir uma pausa na ingestão de comida de 8 a 10 horas dar início à reestruturação de todo o sistema metabólico, hormonal e neuroquímico. Em outras palavras, se alimentar contando calorias para manter o peso é frustrante porque não é uma solução a medio prazo, apenas a curto prazo, e esse tipo de dieta não controla a qualidade de todos os parâmetros metabólicos, hormonais e neuroquímicos que, em última análise, mantêm nossa saúde.
Esse processo espetacular de limpeza está na base do sistema de energia baseado em queima de gordura. O tema foi estudado pelo cientista japonês Yoshinori Ohsumi, que recebeu o prêmio Nobel em fisiologia e medicina de 2016 pelo seu trabalho sobre como a autofagia resulta no fortalecimento celular.
Quando a pessoa está em pleno jejum e suas células registram uma diminuição da quantidade de açúcar disponível no sangue, um processo autorregulatório e inteligente tem início. Na ausência de glicose, as células precisam providenciar uma outra maneira de se preservarem. Justamente aí temos o início do mecanismo de autofagia, que nada mais é do que um processo de autopreservação no qual tres coisas ocorrem: desintoxicação, reparo e remoção de células adoecidas.
As nossas células não perdem tempo lamentando ou buscando em vão alimento quando ele não está disponível. E o que elas fazem, então? Elas vão se alimentar de tudo que é inútil dentro de si, um tipo de detox que limpa matéria orgânica interna, como organelas velhas, proteinas defeituosas, partículas oxidadas, patógenos perigosos, inutilidades que ao serem queimadas geram energia. Estudos científicos publicados sobre a autofagia e a melhora da imunidade são inúmeros, numa busca rápida pelo portal da PubMed eu cheguei a 144 mil deles. Mas, um deles publicado pela Elsevier em 2020 me chamou a atenção. O título era “Jejum intermitente, uma possível ferramenta de preparação para a defesa do hospedeiro contra a infecção por SARS-CoV-2: Relação cruzada entre restrição calórica, autofagia e resposta imune”. Resolvi então abrir o leque da pesquisa e descobri quase 23 mil publicações cientificas sobre jejum autofágico e covid-19.
Esses estudos não deixam dúvidas, a autofagia é importantíssima para melhorar o desempenho imunológico e combater viroses, porque os virus não têm um sistema próprio de produção de energia, eles vampirizam os nossos. Então, quando nossas células estão utilizando o sistema de queima de açúcar para obter energia, os virus dentro delas vão raptar esse combustível para se alimentarem e se multiplicarem rapidamente. Porém, se o virus entra em uma célula que está no processo de autofagia, não há nenhum açúcar para eles utilizarem, eles então se enfraquecem e perdem sua capacidade de reproduzir. O jejum foi reconhecido por sua capacidade de desligar a reprodução viral celular. No processo de detox celular, junta-se ao material orgânico que está adoecido e tóxico na célula e precisa ser eliminado, também o material viral desprovido de capacidade de reproduzir. Tudo será queimado para otimizar a vida daquela célula e protegê-la. Isso representa um benefício muito grande para regenerar o sistema imune e desacelerar o envelhecimento celular do corpo todo.
Entretanto, existem substâncias que a autofagia não é capaz de eliminar. Os materiais sintéticos, sobre o quais falamos na semana passada como o plástico, venenos, e os metais pesados como mercúrio e chumbo não são eliminados de dentro da célula. Neste caso, o recurso que essas células utilizam, ja que se tornaram perigosas e podem resultar até mesmo em câncer, é a sua total eliminação, quero dizer da célula inteira, através de um processo conhecido por apoptose. A autofagia, mesmo neste caso, é o recurso espetacular de proteção de todo o sistema.
Preciso ainda mencionar o papel da autofagia na mitocondria, conhecido como mitofagia. No jejum, as mitocôndrias que degeneraram ou se alteraram serão eliminadas, evitando assim perda cognitiva, fraqueza muscular, fadiga crônica, e problemas gastrointestinais. Eu ainda gostaria de falar sobre o efeito da autofagia nos mecanismos de acelerar crescimento e produção hormonal, na redefinição das vias de dopamina, fundamental para despertar um estado de paz e bem estar, reparar o sistema imunológico e, por fim, melhorar a microbiota. Mas, tudo isso vai ter que esperar a próxima semana. Te encontro aqui novamente em breve.
Gurusangat MD, M.Sc, PhD Faculdade Medicina Charité Berlim