Você deve estar pensando que meditar é contemplar, mas não é. Do ponto de vista da estrutura e função cerebral, meditar e contemplar são atividades distintas e com efeitos bem diferentes. Quando você se concentra em um tema, paisagem ou ideia de qualquer natureza, e reflete de maneira profunda e introspectiva, você está contemplando. Já a meditação é uma prática que envolve, dentre outras coisas, uma combinação de foco, atenção e respiração, geralmente com o objetivo de alcançar maior clareza mental, foco, auto-regulação emocional, presença e consciência. Existem inúmeras formas de meditação, das mais fáceis que utilizam apenas o silêncio e a atenção guiada, às mais complexas que usam posturas corporais, respiração e posicionamento preciso dos olhos. Estudos de neuroimagem mostram que a meditação causa mudanças estruturais e funcionais no cérebro, como o córtex pré-frontal, associado ao pensamento abstrato, tomada de decisões e regulação emocional, e o córtex cingulado anterior, envolvido na atenção e autorregulação emocional. Minha intenção nesta nova temporada batizada de “o cérebro de quem medita” é explorar o uso da meditação para uma série de transtornos mentais e, hoje, começarei pelo Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, TDAH. Vamos aprofundar?
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 4% da população adulta mundial têm TDAH. No Brasil, aproximadamente 2 milhões de pessoas adultas foram diagnosticadas com esse transtorno, que também afeta 6% das crianças e quase 7% dos jovens. Essa doença pode causar,
em razão de seus sintomas, dificuldade de relacionamento e convívio social, de organização no estudo e no trabalho, e frequentemente, em razão da falta de conhecimento, as pessoas com TDAH são estigmatizadas, julgadas e criticadas.
O TDAH pode surgir com outras comorbidades, e uma das mais comuns é a depressão. Outras condições que os adultos podem ter juntamente com o TDAH incluem: transtornos de personalidade, condição em que um indivíduo difere significativamente da média das pessoas em termos de como pensa, percebe, sente ou se relaciona com os outros; transtorno bipolar, condição que afeta o humor, que pode oscilar de um extremo a outro; transtorno obsessivo compulsivo (TOC), condição que causa pensamentos obsessivos e comportamento compulsivo.
Mas, o que é o TDAH?
Esse transtorno é uma doença que afeta o comportamento das pessoas. As pessoas com TDAH podem parecer inquietas, com dificuldade de concentração, esquecimentos e podem agir por impulso. Esses sintomas não precisam estar juntos para que se configure TDAH, uma pessoa pode ser inquieta, falar muito e perder objetos sem apresentar qualquer impulsividade. Os sintomas de TDAH tendem a ser notados em uma idade precoce e podem se tornar mais perceptíveis quando ainda na infância, ao frequentar a escola.
A herança genética parece ser um fator importante para o desenvolvimento da doença, muitas pessoas com esse diagnóstico têm também TDAH na família. Entretanto, não se acredita que o TDAH esteja relacionado apenas à falhas genéticas. Já se encontrou evidências de maior risco para TDAH em pessoas que nasceram prematuramente (antes da 37ª semana de gravidez) ou com baixo peso ao nascer. Há também uma relação direta entre TDAH com epilepsia ou com danos cerebrais, que ocorreram no útero ou após uma lesão grave na cabeça mais tarde na vida.
Como as causas do TDAH não são totalmente compreendidas, e tudo indica que se inserem numa convergência de fatores genéticos, ambientais e neurológicos, este transtorno deveria ser tratado por meio de várias abordagens, incluindo meditação, terapia comportamental, apoio educacional, e em alguns casos, medicamentos.
Pesquisas identificaram várias possíveis diferenças entre o cérebro de pessoas com TDAH e o de pessoas sem a doença. Por exemplo, varreduras cerebrais sugeriram que certas áreas do cérebro podem ser menores e outras maiores em pessoas com TDAH. Outros trabalhos sugeriram que as pessoas com TDAH podem ter um desequilíbrio de neurotransmissores no cérebro.
Em 2022 foi realizado um extenso rastreamento para observar o que acontece no cérebro de pessoas com TDAH utilizando imagens e ressonância magnética funcional (fMRI). Os resultados mostraram uma atividade atípica, dos indivíduos com TDAH, em redes neurais associadas a três importantes funções cerebrais: ao controle cognitivo, à atenção e à memória de trabalho. Foi identificado também que, partes do cérebro relacionadas à regulação emocional e à motivação são atípicas em pessoas com TDAH. Por exemplo, a rede de Modo Padrão (Default Mode), aquela que acionamos quando estamos na mente errante é muito mais ativa em pessoas com TDAH, principalmente quando elas estão realizando tarefas. Em outras palavras, o cérebro de uma pessoa com TDAH funciona em um modo operativo muito pouco propício para a concentração e foco. Ele divaga muito mais se comparado ao cérebro de pessoas sem TDAH.
Muitas pessoas colocam em prática estratégias de enfrentamento e apoio boas suficientes para contornar o problema. Mas, quando o contexto muda, os sintomas do TDAH podem se tornar
menos controláveis. Algumas situações comuns que engatilham as crises são, por exemplo, quando as pessoas enfrentam mudanças repentinas de trabalho, relacionamento, ou mesmo quando elas se tornam pais e precisam gerenciar mais do que apenas a si mesmas. Para as mulheres, as alterações hormonais, principalmente durante a perimenopausa, podem desencadear fortes sintomas de TDAH.
De cara podemos afirmar que o benefício imediato da meditação está no melhor manejo dos próprios sintomas do TDAH, e isso acontece porque a meditação diminui o estresse, a ansiedade e ajuda na depressão. Apenas isso colocaria a meditação como uma importante ferramenta para aqueles com TDAH. Mas, tem muito mais no horizonte.
As pesquisas do uso da meditação como terapêutica para TDAH estão apenas começando. Uma revisão de pesquisa de 2021, analisou 31 estudos apenas da técnica mindfulness para o TDAH e concluiu que, embora essa técnica possa ser útil como coadjuvante para adultos, ela não se mostrou efetiva em crianças com TDAH. Adultos que já estejam sob tratamento podem se beneficiar muito da mindfulness. Zylowska, professora do departamento de psiquiatria da universidade de Minnesota, afirma que pessoas com sintomas de TDAH leves a moderados, podem se beneficiar da mindfulness até mesmo como forma principal de tratamento. Mas, diante de sintomas graves, as pessoas com TDAH talvez queiram usar essa técnica de meditação como complemento a outros tratamentos.
Quando a técnica de meditação envolve a respiração, aí vamos para um outro patamar! Estudos sobre a eficácia das técnicas de respiração para o controle dos sintomas do TDAH mostram resultados muito melhores, inclusive para crianças. Sabe-se que os exercícios de respiração profunda, envolvendo o movimento do diafragma conscientemente, melhoraram a atenção e reduzem a hiperatividade em crianças com TDAH. O Journal of Child Neurology publicou uma técnica de respiração chamada Sudarshan Kriya que melhora comprovadamente a atenção e reduz a ansiedade em crianças com TDAH.
Por que a respiração é capaz de agir assim? Bem, a respiração faz coisas incríveis que você, e a maioria das pessoas, jamais pode ter tido a chance de conhecer. A respiração modula as oscilações límbicas (região cerebral que processa emoções e está envolvida na produção de hormônios), as funções cognitivas e as funções motoras do córtex cerebral. Esse processo ocorre com maior potencia quando a inalação é feita pelo nariz, se comparado com a boca aberta. O bulbo olfativo e o córtex piriforme oscilam durante a respiração, provavelmente coordenando a rede neural cortical ligada ao aprendizado, à memória e ao comportamento. Como o sistema olfativo está conectado ao sistema límbico e ao hipocampo (que regula emoções, motivação, atividade hormonal, atividade autonômica e formação de memória), o tipo de ritmo respiratório cria excitações neurais específicas, sob influencia da profundidade da respiração, do número de respirações, da velocidade da respiração, que por sua vez criam ritmos oscilatórios especulares que se propagam em diferentes áreas cerebrais, não necessariamente apenas aquelas relacionadas ao olfato.
Outra coisa importante é observar que, o mesmo ritmo respiratório é registrado de forma diferente em áreas cerebrais específicas das quais partem as oscilações neurais que aumentam a comunicação entre essas partes. Quanto maior for a coordenação das oscilações, maior será a função expressa pelas diferentes áreas cerebrais envolvidas. E sabe quem mensura o coordena tudo isso? O diafragma, que é o “diapasão” do sistema neural.
A respiração, em particular, afeta as ondas gama, que influenciam o neocórtex, nas suas áreas frontal, parietal e temporal, que por sua vez são responsáveis por ativar a função cognitiva, que compreende a memória, a atenção, a percepção sensorial, a resolução de problemas e os processos de linguagem. Incrível né? Só respirar que seu mundo vai mudar!
No Kundalini Yoga, por exemplo, grande parte das meditações são feitas envolvendo uma tríade de movimento, som e respiração. Quando associados, em técnicas como a Kirtan Kriya, a Sodarshan Chakra Kriya, ou mesmo respirações segmentadas, a meditação pode ser o divisor de águas para quem sofre com TDAH.
Aqui vai uma lista resumida dos possíveis benefícios da meditação para pessoas com TDAH:
Eu convido você para me visitar no meu canal no Instagram, onde faremos na próxima segunda uma meditação específica para ajudar nos sintomas de TDAH. Venha experimentar memo se você não sofre com o TDAH, meditar é sempre bom! Até lá!