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Com a palavra a ciência

A mente humana e nossas escolhas – parte 2

Não foram os mais fortes e sim os mais criativos e compassivos que abriram a trilha para nossa caminhada até aqui! A capacidade da mente humana de perceber o mundo, interagir de forma criativa com o meio, estar consciente do quanto esta relação nos molda e renova a vida é algo extraordinário e único. Foram mapeados 267 genes, encontrados apenas em humanos modernos, responsáveis pela rede cerebral de consciência de si. Esta investigação mostrou que esses genes só foram selecionados e ativados devido às vantagens proporcionadas pela criatividade, direcionada a uma vida mais longa e saudável, menos belicosa, mais social e altruísta. Foi isso que permitiu ao Homo Sapiens proteger seus filhos, netos e outros membros de suas comunidades submetidos a condições ambientais fustigantes e instáveis. Os amantes da violência como recurso de seleção natural que me desculpem, mas a cooperação é a chave para nosso até então sucesso evolutivo.

Vamos entender mais de perto esses outros atributos da mente que fizeram isso possível?

CONHECENDO A MENTE

A mente pode ser bem compreendida quando entendemos seu funcionamento com base nas suas cinco capacidades ou atributos: auto-organização, processamento da informação, experiencia subjetiva, criação de novas realidades e consciência. No artigo anterior cobrimos os dois primeiros, vamos falar agora dos outros?

Experiência Subjetiva

Se você e eu fôssemos colocadas diante de uma mesma situação, eu presumo que nosso entendimento sobre a questão seria bem diferente. E digo ainda que, quanto mais diferentes forem nossas visões de mundo e nossa bagagem emocional, mais distinta será nossa visão da situação. O mundo interno, constituído por emoções, pensamentos, conhecimento, fantasias, crenças e memória moldam nossa experiência subjetiva. A subjetividade é resultado da maneira como percebemos o mundo a nossa volta e a nós mesmos e criamos, a partir disso, um conhecimento sobre nós e o mundo, um ponto de vista, um sentimento sobre nós e o mundo. Nesta perspectiva, a subjetividade está intimamente associada à visão de mundo, às crenças e, por ser assim, mantem relação direta com o ambiente social, com a cultura, o gênero e sexualidade de uma pessoa. Essa relação influencia tanto na construção da identidade quanto na compreensão do que nos cerca.

 

A percepção cria conhecimento e cria também viés. Pense você comigo, uma mesma realidade poderá ser percebida e compreendida de modo diferente por diferentes pessoas que a contemplem, e isso é ao mesmo tempo rico e tenso. A verdade sobre algo que nos parece simplesmente real porque foi percebido como tal, pode ser verdadeiramente diferente à percepção do outro, com a mesma certeza e intensidade.

Nossa subjetividade é auto-reflexiva e auto-referente, e isso permite uma explicação coerente das crenças e motivações que estão na base do que sentimos e entendemos como real. Este fato pode ampliar não só as diferenças entre o ponto de vista “meu” e “seu” mas também os conflitos entre nossas verdades.
Eu penso que a salvação da lavoura está em saber que a subjetividade também pode ser contextual. Quando alguém articula seu ponto de vista e concorda ou discorda com os outros, mas ainda assim oferece um espaço para que as opiniões diferentes sejam expostas com a ajuda de outros elementos que se interrelacionam e, por isso, explicam a situação, a subjetividade se torna contextual. A inclusão de um campo mais amplo dentro do qual os diferentes pontos de vista emergem, tanto amplia a compreensão quanto ajuda na construção de um conhecimento mais abrangente.

Essa qualidade é mágica e nós humanos podemos usá-la porque nossa mente vê além, e cria assim, novos cenários, novas realidades.

Criação de novas realidades

O Museo Americano de História Natural publicou em 2021 um artigo de Robert Cloninger, um psiquiatra e geneticista da Universidade de Washington, sobre a genética da criatividade humana. No trabalho de Cloninger foram identificados 972 genes que regulam a expressão gênica da personalidade humana distribuídos em três redes de aprendizagem e memória. A primeira regula a reatividade emocional (impulsos emocionais, aprendizagem, apego, resolução de conflitos) e surgiu em macacos há cerca de 40 milhões de anos. A segunda, que regula o autocontrole intencional (cooperação para benefício mútuo ), surgiu há um pouco menos de 2 milhões de anos. A terceira, responsável pela consciência de si e criatividade, surgiu há cerca de 100.000 anos.

Em um estudo recente desta mesma equipe, foram descobertos 267 genes apenas em humanos modernos responsáveis pela rede cerebral da consciência de si. Esse genes foram selecionados devido às vantagens ligadas à maior criatividade, comportamento social, saúde e longevidade. Viver vidas mais longas e saudáveis e ser mais social e altruísta permitiu que o Homo sapiens sustentasse seus filhos, netos e outros em suas comunidades em meio a condições duras e fustigantes.
Cá estamos nós afortunados e felizes, e com toda razão porque tínhamos tudo para dar errado e até agora funcionou! Chagamos até aqui graças à criatividade e espírito de cooperação de nossos ancestrais. Associado aos genes que nos deram uma larga vantagem na co-criação e recriação de nossas vidas, a mente humana teve e terá sempre um papel de destaque nesse processo. Se a mente humana não tivesse a capacidade de projetar intenções e sonhos no tempo e espaço, não estaríamos aqui nem para sentir a miséria do nosso fracasso evolutivo.

Se de um lado a capacidade de sonhar nos deu uma vantagem considerável, ela pode ser também a razão pela qual podemos nos destruir. Esse poder requer todo cuidado. A projeção é uma das mais poderosas qualidades psicológicas e emocionais do ser humano. Poemas, canções, histórias, artes são fruto da permissão que damos a um desejo, ou, a permissão que damos para o não-desejo, o nada. Tanto um quanto o outro são estados mentais que oferecem caminhos criativos. Quando desejamos e projetamos uma intenção, nosso corpo e mente se organizam e se mobilizam para a ação de permitir, de agir. Contudo, é também verdade que, dependendo do nosso estado emocional e mental, criamos tais realidades, inóspitas o suficientes para nossa destruição.

A consciência, o último atributo da mente que falaremos, pode oferecer uma espécie de modulação da força criativa sem perturbar o seu poder. Fazer escolhas é um exercício difícil mas possível com o uso da consciência. No próximo artigo vamos falar disso. Até lá!

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